Quem pode exonerar um ministro do STF

O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) sugeriu, em conversa telefônica com o senador Jorge Kajuru (Cidadania-GO), que o parlamentar apresente pedidos de impeachment de ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) como forma de alterar os rumos da instalação de uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) sobre as ações do governo federal no combate à pandemia no Brasil.

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    A conversa foi divulgada pelo próprio senador no último final de semana nas redes sociais. Mas, afinal, um ministro do Supremo pode sofrer impeachment? Como funciona esse processo? Entenda a seguir.

    Para Bruno Salles, advogado criminalista e membro da diretoria do IBCCrim (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais), apesar de não haver previsão constitucional de impeachment de ministro do STF, o inciso II do art. 52 da Constituição diz que compete ao Senado processar e julgar os ministros do STF quanto a crimes de responsabilidade.

    "É esse julgamento, dos crimes de responsabilidade, que se chama de 'impeachment de ministros do STF'", diz ele. Os crimes de responsabilidade, por sua vez, estão elencados na Lei 1.079/1950, a mesma que fundamentou o rito que tirou a ex-presidente Dilma Rousseff (PT) do poder.

    De acordo com a legislação, são considerados crimes de responsabilidade dos ministros da Corte práticas como:

    • exercer atividade político-partidária;
    • ser patentemente desidioso (isto é, negligente, preguiçoso) no cumprimento dos deveres do cargo;
    • proceder de modo incompatível com a honra, a dignidade e o decoro de suas funções.

    Marcellus Ferreira Pinto, advogado criminalista, cita que pode ocorrer a perda de mandato caso o magistrado faça exercício de atividade político-partidária, o que é proibido pelo artigo 95 da Constituição. "Isso ocorre, por exemplo, quando um ministro critica as opções políticas de competência do poder Executivo durante um julgamento", indica.

    Outro exemplo hipotético, no caso do comportamento desidioso, seria a ausência frequente de um ministro na Corte, segundo a advogada e doutora em direito político e econômico Patricia Borba de Souza. "Como um exemplo bastante simples, podemos dizer que isso ocorre quando um ministro se ausenta frequentemente das sessões de julgamento ou passa muito tempo em viagens."

    Para Salles, no contexto atual, seria "extremamente improvável" que um impeachment de ministro do Supremo fosse concretizado. "Tanto do ponto de vista jurídico como do ponto de vista político. Não há nenhum pedido que tenha alguma plausibilidade jurídica no Senado", diz ele.

    "Não acho plausível o impeachment de um ministro do STF, principalmente considerando os casos que estão em evidência ultimamente", concorda Rodrigo Faucz Pereira e Silva, advogado criminalista e professor de processo penal da FAE.

    "Não há nenhuma flagrante ilegalidade nas decisões em discussão. Fica evidente que se trata de retaliações por conta de insatisfações pouco republicanas", afirma.

    Ferreira Pinto, por outro lado, discorda. Para ele, "é perfeitamente plausível dada a hipertrofia do poder Judiciário e as recorrentes intromissões do STF na esfera de competências do poder Executivo."

    O processo

    Qualquer cidadão pode apresentar uma denúncia contra um ministro do Supremo, e caberá ao presidente do Senado avaliar se ela é apta — isto é, se atende a todos os requisitos — ou não. "Nesse momento, acima de tudo, deverá ser feito um juízo de viabilidade da acusação", afirma Salles.

    Com relação ao tempo, Ferreira Pinto afirma que dependeria da agenda do Senado, mas que o julgamento "é bem mais célere do que o de um processo judicial comum."

    Caso o presidente do Senado decida pelo prosseguimento do pedido de impeachment, deve ser instalada uma comissão especial que, em um prazo máximo de 10 dias, emitirá um parecer sobre a denúncia.

    O parecer da comissão especial deve ser levado, então, para análise do plenário no Senado, onde deve ser aprovado por maioria simples. Caso contrário, a denúncia será arquivada.

    Defesa

    Se, com a análise do relatório elaborado pela comissão, o plenário decidir que a denúncia deve prosseguir, o denunciado terá acesso a uma cópia de todos os documentos e também um prazo de 10 dias para responder à acusação.

    Terminado esse prazo, com ou sem resposta por parte do denunciado, a comissão terá mais 10 dias para definir se a acusação contra ele procede ou não. Logo, um novo parecer deve ir para votação no plenário — que, mais uma vez, precisa de maioria simples para ser aprovado.

    Decisão

    Caso os senadores julguem a denúncia procedente, a Mesa do Senado deve informar o STF, o presidente da República, o denunciante e o denunciado. Com isso, o denunciado deverá ficar suspenso das funções de seu cargo até haver uma sentença final.

    Somente depois de todo esse trâmite, explica Salles, é que "começa o processo em si". "Há todo um trâmite instrutório com apresentação de acusações e defesa. Ao fim, o caso vai ser julgado pelo plenário", diz ele.

    "No plenário, será feita a votação onde ser perguntarão aos senadores se "cometeu o acusado o crime que lhe é imputado e deve ser condenado à perda do seu cargo". O acusado só perde o cargo se 2/3 dos votarem que sim. Se isso acontecer, pode ser votada a inabilitação para o exercício de função pública, por até 5 anos", afirma.

    O provocativo título serve para analisar a escolha ocorrida este mês de dois ministros para diferentes tribunais brasileiros. O Senado aprovou a indicação de André Mendonça para o Supremo Tribunal Federal, onde já tomou posse, e aprovou Antonio Anastasia para o Tribunal de Contas da União, já confirmado pela Câmara dos Deputados.

    Quem pode exonerar um ministro do STF
    O curioso é que, pela Constituição, os requisitos para ser ministro do TCU aparentam ser mais rigorosos do que para o STF.

    Para ser ministro do TCU, a Constituição exige: (a) ter mais de 35 e menos de 65 anos de idade; (b) idoneidade moral e reputação ilibada; (c) mais de dez anos de exercício de função ou de efetiva atividade profissional que exija (d) notórios conhecimentos jurídicos, contábeis, econômicos e financeiros ou de administração pública (artigo 73, parágrafo 1º).

    Para ser ministro do STF, a Constituição exige “apenas”: (a) ter mais de 35 e menos de 65 anos de idade e (b) notável saber jurídico e reputação ilibada (artigo 101).

    Portanto, para o TCU há que se ter notório conhecimento em diversas matérias (jurídicas + contábeis + econômicas + financeiras) ou conhecimento de administração pública. Além disso, exige que o indivíduo tenha mais de dez anos de experiência nessas áreas do saber.

    Em comparação, para ser ministro do STF, os requisitos constitucionais são mais “leves”, havendo “apenas” exigência de notável saber jurídico, nada mencionando acerca das demais áreas do conhecimento, nem sendo exigida experiência na área jurídica.

    Para ambos os cargos o limite de idade é igual, bem como a de ter reputação ilibada – o que é distinto de idoneidade moral, exigido na Constituição apenas para os ministros do TCU. (Peço ao atento leitor a gentileza de não me perguntar como alguém pode ter “reputação ilibada” e não ter “idoneidade moral”, pois não saberia responder, porém, é o que consta das normas – basta comparar o artigo 73, parágrafo 1º, II, com o caput do artigo 101, ambos da Constituição Federal).

    Só brasileiros natos podem ser ministros do STF (artigo 12, parágrafo3º, IV, Constituição Federal), não havendo tal exigência para compor o TCU (artigo 12, parágrafo 2º, Constituição Federal). E, para diversos aspectos, tais como garantias, prerrogativas, impedimentos, vencimentos e vantagens, os ministros do TCU se equiparam aos ministros do Superior Tribunal de Justiça, e não aos do STF (artigo 73, parágrafo 3º, Constituição Federal).

    A função primordial do TCU é: (1) apreciar as contas prestadas anualmente pelo presidente da República e (2) julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos da administração federal, dentre outras (artigo 71, Constituição Federal), todas importantíssimas. As funções do STF são igualmente importantes, relevantes e estratégicas, pois implicam: (1) enquanto Corte Constitucional, na guarda da Constituição (o que é distinto de ser dono da Constituição, como já expus em outro texto), e (2) enquanto órgão de cúpula do Poder Judiciário, em uma gama de competências jurisdicionais (ver artigo 102, Constituição Federal, que embaralha essas duas funções em seus diferentes incisos e alíneas).

    É substancialmente diversa a forma de indicação dos ministros do STF e do TCU.

    No caso do STF, todos os 11 ministros são indicados pelo Presidente da República e por este nomeados, depois de aprovados por maioria absoluta do Senado Federal (artigo 101, parágrafo único, Constituição Federal). O ministro André Mendonça seguiu essa trilha, passando a ocupar a vaga do ministro aposentado Marco Aurélio Mello.

    O presidente da República tem muito menos poder na indicação de ministros do TCU, pois só tem efetiva discricionaridade na indicação de um dentre nove ministros. Outros dois devem ser indicados pelo presidente, mas dentre categorias de servidores públicos que exercem suas funções naquele tribunal (auditores e membros do Ministério Público junto ao TCU). Os demais seis ministros são indicados pelo Congresso, sendo metade desses pelo Senado e a outra metade pela Câmara (artigo 73, parágrafo 2º, Constituição Federal). O senador Antonio Anastasia preencherá a vaga que cabe ao Senado, antes ocupada pelo ministro aposentado Raimundo Carreiro. A única vaga de indicação “livre” do presidente foi preenchida em dezembro de 2020 pelo ministro Jorge de Oliveira, que tem direito a permanecer no cargo até 2049, quando completará 75 anos.

    É pertinente essa distinção dentre a forma de indicação para o TCU e o STF, se considerarmos que o papel principal do Tribunal de Contas da União é auxiliar o Congresso Nacional no exercício do controle externo das contas do Poder Executivo (artigo 71, I, Constituição Federal). Logo, se dentre os nove componentes da Corte de Contas federal muitos fossem indicados livremente pelo presidente da República, teríamos o controlado indicando seus controladores, o que seria completamente inadequado. Desnecessário lembrar ao leitor que o TCU não faz parte do Poder Judiciário, a despeito de ter em seu nome a palavra “tribunal”. No caso do STF sua missão principal não é fiscalizar diretamente a algum órgão ou Poder, mas fazer cumprir a Constituição.

    Será possível afirmar que a Constituição estabeleceu mais exigências para ser ministro do TCU do que para ser ministro do STF? Em termos, pois os distintos requisitos correspondem às diferentes funções que essas cortes exercem em nossa República. Embora seja adequado que um ministro do STF tenha mais do que conhecimento jurídico, outros saberes não são requisitos para sua nomeação. O exercício da função de ministro do TCU exige maior interdisciplinaridade, motivo pelo qual se busca para esse cargo quem tenha conhecimentos além do saber jurídico. São funções distintas, para as quais são exigidos saberes diferentes.

    De todo modo, e meio a latere dessa discussão, penso que o melhor seria acabar com a vitaliciedade nesses cargos, adotando mandatos e restringindo as funções do STF às de Corte Constitucional, conforme escrevi há mais de uma década, em texto acadêmico[1]. Afinal, é da essência de uma república a alternância dos cargos. Porém, como operacionalizar isso no atual estágio político-constitucional brasileiro?

    [1] SCAFF, Fernando Facury. Novas dimensões do controle de constitucionalidade no Brasil: prevalência do concentrado e ocaso do difuso. Revista Dialética de Direito Processual. São Paulo: Dialética, v. 50, p. 20-41, 2007.