Por que não ensinar gramática na escola resenha

Em “Por que (não) ensinar gramática na escola”, Sírio Possenti descreve, em linhas gerais e com traços de oralidade, os fatores internos e externos da variação linguística, bem como, procura desconstruir a divisão preconceituosa de línguas primitivas e complexas. Na segunda parte do livro, o autor traça um esboço inicial para classificar a gramática em três aspectos: internalizada, descritiva e normativa; respectivamente, nesta ordem de prioridades para o processo de aprendizado da língua, proposta essa contrária ao ensino tradicional. “Por que (não) ensinar gramática na escola” transformou-se num roteiro básico no qual os professores deveriam refletir e repensar sua metodologia de ensino empregada para aquisição e domínio da língua escrita e oral apreendida pelos seus discípulos.

Nas escolas públicas de ensino fundamental e médio, tornou-se um equívoco naturalizado priorizar o estudo da gramática normativa, mas apenas como um exercício de metalinguagem, em detrimento às atividades de leitura, escrita e reescrita, menos frequentes em salas de aula. E o que é pior: ensina-se a norma culta como única variante de prestígio na Língua Portuguesa, classificando como “certos” ou “errados” fatos linguísticos variáveis. Quando as escolas elegem como o ideal o uso do português padrão, impondo-o tanto na escrita, quanto na fala de seus alunos, estes, gradativamente, passarão por um processo de abstração linguística. Ora... se o ensino da norma culta é confundido com o ensino de Língua Portuguesa, o usuário de outra variante que não seja o padrão perceberá um distanciamento de seu comportamento linguístico com o uso “ideal” de sua língua materna. Não porque ele seja incapaz de dominar a língua imperativa de regras na fala e na escrita; mas, sim, por ele não praticar intensamente leitura e escrita onde já se encontra intrínseca as regras gramaticais sem precisar entrar no mérito de juízos de valor.

A proposta pragmático preponderante no livro de Sírio Possenti é o de abolir o ensino da gramática (apenas como metalinguagem) a quem ainda não domina a construção textual, sendo que as duas atividades (estudo da gramática numa abordagem epilinguística e produção textual) deveriam caminhar juntas. O aluno não pode ser limitado a uma aprendizagem passiva na qual a sua participação não envolva objetos de estudo de sua própria criação, inseridos num contexto íntimo, útil e diretamente prático. Um exemplo: as aulas de Língua Portuguesa, em sua quase totalidade, apresentam, como listas de exercícios, frases isoladas de um contexto (para classificação e categorização de funções sintáticas); apenas para exercitar o emprego de regras gramaticais abstratas ao mundo empírico do estudante. Mais produtivo seria se este apresentasse um texto de sua autoria para depois, com o auxílio do professor e de uma gramática, fazer as correções normativas da língua se o normativismo e o grau de monitoramento alto for característica, mais ou menos estável, do gênero textual que está sendo produzido (trabalhado) pelo estudante. A gramática seria então utilizada como instrumento de pesquisa funcional na elaboração de um texto como o dicionário é usado para pesquisa semântica e correção ortográfica. E mais: o aluno seria um dos agentes diretos responsável pela sua formação. O que estimularia a curiosidade de se conhecer e dominar o português chamado “culto” e o coloquial; o contemporâneo e o clássico; e por que não um estudo também sobre o português medieval, partindo sempre do gênero textual.

Todo tipo de linguagem praticada pelos falantes de uma determinada língua é considerado fato linguístico (gramática descritiva). Se existe uma variante culta utilizada como um referencial para a sociedade (exemplos: despachos judiciais, contratos sociais, tratados científicos, imprensa, trabalhos acadêmicos universitários, etc), é porque esta foi prestigiada pela classe dominante do país (gramática normativa). Por isso, é importante também lembrar que todos os envolvidos em educação de língua (re)conheçam o valor cultural, social e político das variantes linguísticas e expliquem o porquê do valor social de uma delas (a culta) em relação às outras (regionalismo, coloquialismo, bairrismo em seus troncos geográfico, social e estilístico) que também possuem seu valor cultural já mencionado (informativo, literário ou estético). Referendada esta linha de raciocínio, estaria concluída a proposta pedagógica sugerida pelo autor nos parágrafos anteriores: estimular a gramática internalizada (principalmente na fase de alfabetização); ensinar a língua sem estipular valores (gramática descritiva); e finalmente, demonstrar que a linguagem é usada na prática social (mediante gêneros textuais) para engrandecer ou enfraquecer camadas sociais.

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Dando continuidade às resenhas de livros voltados para a formação do professor, vim compartilhar com vocês as minhas reflexões de leitura de mais este livro sobre o ensino de gramática.

Por que não ensinar gramática na escola resenha

O livro "Por que a escola não ensina gramática assim?" foi organizado por um grupo de pesquisadores e já é bem famoso entre professores de língua portuguesa, frequentemente aparece em recomendações de leitura nas redes sociais. Além disso, o próprio título cria no leitor uma grande expectativa de que, ao final da leitura, teremos uma ideia mais clara de como ensinar gramática aos alunos e de quais mudanças precisamos fazer em nossas práticas de sala de aula. E foi assim que comecei a leitura: com muitas expectativas. Mas, infelizmente, elas não foram atingidas.

Primeiramente, quero deixar claro que este é um excelente livro e traz um conteúdo que é importante para a formação dos professores de português, porém considerei-o muito teórico - o que quebra as expectativas geradas pelo título inclusive.

Cada um dos capítulos é escrito por uma dupla ou trio de pesquisadores e trata de um tema específico da gramática da língua portuguesa: concordância, regência, topicalização, verbos impessoais, etc. Ao tratar desses tópicos, as autoreas e autores focam numa abordagem teórica, explicando esses fenômenos linguísticos, sobretudo a partir da perspectiva da variação linguística e daquilo que é, de fato, colocado em prática pelos falantes de português. Se seu objetivo é aprofundar seu conhecimento teórico sobre o funcionamento da língua portuguesa falada pelos brasileiros hoje, vale a pena investir na leitura este livro. Porém, se seu objetivo é aprender outras e/ou novas maneiras de trabalhar com a gramática na sua aula, ele vai deixar um pouco a desejar - para isso, eu ainda prefiro o livro "Gramática Contextualizada", da Irandé Antunes, que eu já resenhei aqui.

Ao final de cada capítulo há algumas sugestões de atividades para fazer em sala de aula, no entanto não achei que foi o suficiente (para atender às minhas expectativas). Algumas sugestões foram apresentadas de maneira superficial - não fica claro como colocar aquela atividade em prática - e outras eu achei impossíveis de serem utilizadas em aulas da Educação Básica.

Uma das atividades propostas no livro, por exemplo, é distribuir dicionários e gramáticas aos alunos e pedir que eles analisem e comparem as regras de conjugação verbal e das formas nominais. Você imagina seus alunos fazendo isso? Não?! Nem eu. Eles iriam odiar, porque é uma atividade monótona demais pra ser colocada em prática por/com adolescentes. Em vários capítulos, também é sugerido que os alunos montem um corpus com exemplos daquele tópico gramatical, para analisar e apresentar aos colegas. Montar um corpus, sobretudo do uso real da língua, é algo extremamente difícil e demorado até mesmo para nós que somos professores. Os alunos não têm maturidade nem conhecimento suficiente para fazer isso. Achei que as sugestões propostas no livro são um pouco fora da realidade do que realmente é possível fazer em sala de aula, pensando não apenas nas habilidades dos alunos, mas também no potencial de engajamento desses exercícios.

Recomendo o livro, mas com ressalvas!

Se você quiser dar uma olhada no índice do livro, clica no arquivo aí embaixo (este pdf está disponível no site da Editora Parábola também).

Porque a escola nao ensina gramatica ass