Por que algumas pessoas se cortam

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Em qualquer grupo de jovens, em quase todas as escolas do Rio, há meninas que se automutilam. Tem sido cada vez mais comum receber em consultório casos de garotas que se cortam, numa proporção de três meninas para um garoto. Em 2019, o Senado sancionou uma lei que obriga escolas e hospitais a notificarem casos de automutilação. Ainda não existem estatísticas oficiais, mas é um comportamento que, como se diz nos dias de hoje, parece ter viralizado.

O número de casos aumentou ou o preconceito diminuiu, deixando o assunto mais exposto? Uma menina que se automutila pode acabar influenciando as amigas e criando um efeito cascata? Seria esta uma forma de morrer um pouco a cada dia? Uma espécie de prazer? De satisfação imediata? Ou de metabolização da raiva? São muitas as dúvidas que cercam o motivo exato do aumento de relatos de automutilação. Aos olhos de um leigo, é estranho imaginar que alguém possa ter a intenção de fazer algo que cause dor a si mesmo. Mas é certo que não há a intenção clara e objetiva de morrer: quem machuca o próprio corpo busca, na verdade, alívio para a dor da alma.

Parece um grande paradoxo, mas a explicação mais frequente é que quando se tira o foco da dor emocional e se concentra na dor física, há um grande alívio – ou até prazer – por se livrar, mesmo que por instantes, do sofrimento.

Mas o que faz os jovens sofrerem? Guardar raivas, mágoas ou segredos graves; sofrimentos frutos de relações abusivas, físicas ou emocionais; ou mesmo episódios de bullying na escola. O desconforto psíquico é tão insuportável com tais vivências que fazer doer na carne, literalmente, tira o foco dos pensamentos – e sentimentos – que passam pela mente e pelo coração e aliviam a dor.

Outra possível razão que elas alegam para a automutilação é o sentimento de culpa por ter o que julgam como “pensamentos condenáveis” em uma sociedade judaico-cristã que rotula como pecado o que é apenas humano, como fantasias, julgamentos, inveja e raiva. Os jovens ficam perdidos com seu caldeirão de emoções conflitantes – nem sempre positivas. Como consequência, vem a sensação de serem “más pessoas”. Nestes casos, se machucar é uma forma de auto penitência ou flagelo.

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Segundo a pesquisadora americana Marsha Linehan, 70% das pessoas que se automutilam tem transtorno borderline, uma patologia mental grave caracterizada por um padrão de instabilidade contínua do humor, um vazio crônico, relacionamentos caóticos, impulsividade, alta sensibilidade emocional, como se estivessem em carne viva, e auto estima baixa. Outro dado: cerca de 45% de quem se auto mutila tem depressão e ansiedade prévias às ocorrências de automutilação.

É como se existisse um “campo minado” interno que faz com que as jovens busquem soluções drásticas. Ao invés de canalizarem para o mundo externo, geralmente objeto original de seu sofrimento, dirigem essa expressão de dor para o próprio corpo.

Aos adultos, cabe ficarem atento aos sinais. Repare se sua filha, ou mesmo uma amiga dela, anda sempre com roupas compridas, com intenção recorrente de esconder o corpo, ou se dão desculpas frequentes para cortes e queimaduras. Faça com que essa jovem se sinta confortável o suficiente para se abrir e buscar ajuda. Qualquer pessoa pode fazer a diferença na história de alguém em sofrimento.

Elizabeth Carneiro é psicóloga supervisora do Setor de Dependência Química e Outros Transtornos do Impulso da Santa Casa do Rio, especialista em Psicoterapia Breve e Terapia Familiar Sistêmica, diretora do Espaço Clif de Psiquiatria e Dependência Química e treinadora oficial pela Universidade do Novo México em Entrevista Motivacional.

Pessoas que têm o hábito de causar lesões físicas a si mesmas certamente estão vivenciando momentos muito difíceis. A automutilação é vista como uma válvula de escape nada saudável para indivíduos lidando com situações em que a dor psicológica e emocional necessita ser aliviada de alguma forma.

Mas nem sempre é possível identificar previamente o potencial risco ou atitudes recorrentes desse comportamento. Algumas estratégias são utilizadas para esconder as marcas das feridas e, por isso, é importante ter bastante atenção a outros sinais comportamentais.

Neste artigo, abordaremos detalhadamente o conceito e as causas da automutilação, assim como os possíveis meios para identificar o problema e como prestar o auxílio adequado. Acompanhe!

O que é a automutilação?

A automutilação é definida por lesões provocadas nos próprios tecidos do corpo de forma deliberada, ou seja, propositalmente. A prática é mais comum entre jovens e adolescentes, e geralmente se manifesta na puberdade e fase adulta.

Idosos também podem apresentar episódios de autoagressão, mas, de modo geral, eles são relacionados a quadros de demência. Autistas, por sua vez, podem praticar ações automáticas de automutilação como um dos sintomas da doença.

Segundo o psiquiatra e médico do sono Dr. Caio Macedo Athayde Bonadio, existem dois tipos de comportamento: automutilação com pretensão final de suicídio e automutilação sem ideação suicida.

Automutilação com intenção suicida

Quando o objetivo final é o suicídio, esse cenário acontece em menor frequência considerando o histórico individual. Nesse caso, os meios utilizados para autolesão têm maior potencial de causar morte e são mais destrutivos.

Os atos mais comuns são enforcamento, envenenamento, jogar-se de grandes alturas ou atirar-se na frente de veículos em alta velocidade.

Automutilação sem ideação suicida

A automutilação sem intenção suicida, por outro lado, é praticada mais frequentemente por uma mesma pessoa. E embora essas lesões também sejam destrutivas, não há um risco iminente de morte.

As autoagressões mais comuns acontecem por meio de cortes, queimaduras e arranhões na pele e mordidas na parte inferior da boca ou membros superiores. Além disso, algumas pessoas têm o hábito de bater a cabeça na parede ou esmurrar a si mesmas.

O fato é que, independentemente do tipo, a automutilação significa que aspectos da vida desses indivíduos não estão indo bem. Assim, eles tentam aliviar fisicamente as dores psicológicas e emocionais.

Quais motivos levam uma pessoa a se mutilar?

A dificuldade em lidar com sentimentos negativos, como depressão e ansiedade, é o principal fator que leva uma pessoa a se ferir. De acordo com o Dr. Caio Bonadio alguns fatores de risco podem estar associados com a automutilação, mas distúrbios psiquiátricos também são elementos determinantes.

Fatores de risco

Perturbações psicológicas devido a traumas e angústias vivenciados na infância podem perdurar por muitos anos. Dessa forma, no início da adolescência, quando o indivíduo passa por descobertas e precisa lidar com mudanças hormonais, físicas e psicossociais, tais perturbações podem se agravar.

Transtornos alimentares como bulimia e anorexia, bullying, abusos sexuais, maus tratos, pais dependentes químicos e abuso de drogas são os principais fatores de risco que levam esses adolescentes a praticar a automutilação.

Distúrbios psiquiátricos

Além dos fatores de risco citados, transtornos psiquiátricos podem ser motivos da desorganização comportamental que resultam na automutilação. Depressão, ansiedade, dependência química, estresse pós-traumático e transtornos alimentares são exemplos desses distúrbios.

Ademais, alguns indivíduos com Transtorno da Personalidade Borderline — caracterizado por significativa instabilidade emocional e impulsividade — se mutilam com certa frequência. O Dr. Caio Bonadio explica claramente a relação do comportamento com a doença:

Pacientes com Transtorno de Personalidade Borderline, que é o caráter disfuncional de personalidade em que a automutilação mais aparece, tem um limiar a dor mais alto do que pessoas sem essa personalidade, ou seja, eles precisariam de estímulos mais fortes para sentir dor do que outras pessoas. Isso refletiria uma disfunção em áreas cerebrais que controlam a dor e as emoções.

Alívio e controle das emoções

Conflitos interpessoais e sensações de vazio são sentimentos que também podem levar as pessoas a praticarem a automutilação. Ao se ferirem, o foco destinado a esses problemas são aliviados, como se o ato de se cortar fosse mais fácil do que lidar com eles.

Esse escape, segundo o psiquiatra, Dr. Rodrigo Machado, tem fundamentos fisiológicos. Ao cometer a autoagressão, o organismo libera endorfinas cerebrais (substâncias consideradas analgésicos naturais) e produzem a sensação de prazer e alívio temporário.

Além da dificuldade em lidar com frustrações, a impulsividade é uma característica muito presente nesse comportamento. Para essas pessoas é complicado agir em situações mais complexas e eles acabam ferindo a si mesmos.

O que acontece, no entanto, é um arrependimento posterior ao ato, além de um sentimento de vergonha e insatisfação, que pode agravar a saúde mental e emocional.

Como identificar que uma pessoa está passando por esse problema?

Existem alguns comportamentos que podem indicar a prática de automutilação. Dentre eles, o hábito de vestir calças e blusas de manga compridas mesmo durante o calor e o aparecimento de lesões e cicatrizes sem causa aparente.

Alterações psicossociais também podem ser um indício. É importante observar a preferência por isolamento social, cenários de impulsividade, irritabilidade, autocrítica exacerbada, transtornos alimentares e diminuição da higiene pessoal.

Publicado pela Editora Manole, em 2015, o livro “Psiquiatria, Saúde Mental e a Clínica da Impulsividade” retrata que existem 6 perguntas imprescindíveis que auxiliam durante a investigação.

  1. Alguma vez você cortou ou fez vários pequenos cortes na sua pele?
  2. Alguma vez você se feriu de alguma forma e desejou esse ferimento?
  3. Quando fez alguns dos atos, você estava tentando se matar?
  4. Você sente algum tipo de alívio quando provoca esses ferimentos?
  5. Você costuma ter esse tipo de comportamento diante das pessoas com quem convive?
  6. Quanto tempo você gasta pensando em fazer esse ato antes de realmente executá-lo?

Como ajudar a pessoa que passa por uma fase de automutilação?

A primeira conduta a ser seguida é criar um ambiente acolhedor, considerando a individualidade de cada um, sem negligenciar suas dores psicológicas.

A partir daí, é essencial analisar e estabelecer uma relação de confiança e afetividade, buscando dialogar continuamente. É importante, também, tentar mostrar que existem outros meios de solucionar os problemas que não sejam por automutilação.

Uma grande aliada do tratamento é a terapia cognitivo-comportamental, que permite identificar e tratar os motivos que levam a essa prática. Desse modo, o apoio profissional auxilia a pessoa a ser capaz de descobrir alternativas saudáveis para resolver suas perturbações.

Dependendo do caso, medicamentos também podem ajudar a diminuir ou cessar os episódios de autolesão — o uso adequado deve ser acompanhando de uma equipe de saúde e associado à psicoterapia.

A automutilação traduz um grande sofrimento das pessoas que a praticam e, à medida que elas são acolhidas, ouvidas e orientadas a externar suas preocupações, conseguem se enxergar mais seguras e confiantes. A família tem papel mais do que fundamental nessa jornada e também deve buscar apoio psicológico, quando possível.

Agora que você compreendeu como identificar e ajudar pessoas que estão passando por uma fase de automutilação, saiba como identificar se seu filho está triste ou deprimido!