O que foi o populismo na américa latina

O que foi o populismo na américa latina
O que foi o populismo na américa latina

Juliana Bezerra

Professora de História

Populismo é uma prática política cujo líder toma para si o cargo de salvar o país e o povo.

O populismo se reveste de promessas dirigidas a setores vulneráveis da população, ao mesmo tempo em que trata a elite como inimigo.

Esta estratégia remonta ao Império Romano e reapareceu em vários países no século XX.

Atualmente, o termo “populismo” é usado pejorativamente para ofender adversários políticos.

Significado de Populismo

O termo é derivado do latim e significa “povo” (populus) e associado ao sufixo de origem grega “ismo”.

O que foi o populismo na américa latina
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Origem do Populismo

O populismo tem sua origem no Império Romano, especialmente nos reinados de Tibério Graco, Caio Mário, Júlio César e César Augusto. Era conhecida sob a denominação de “Pão e Circo” (panem et circenses).

O povo romano era cooptado para apoiar esses imperadores através de espetáculos circenses e da distribuição de comida.

Da mesma forma, o populismo faz parte da demagogia, na medida em que estabelece um vínculo emocional com o “povo”, tratado como categoria abstrata.

O resultado é sempre o autoritarismo consentido e uma dominação imperceptível por quem é dominado.

Características do Populismo

Política

O populismo critica o liberalismo político e seus representantes colocam-se por em cima dos partidos políticos.

Por isso, é primordial o contato direto entre as massas urbanas e o líder, pois se evita toda intermediação de partidos ou corporações nesse processo.

A fim de criar uma identidade e ilusão de participação políticas são organizadas concentrações populares e festas para incluir grupos sociais historicamente marginalizados da cena política.

O povo é apresentado como uma entidade bondosa, justa e guardiã dos valores da nação. Quem não se enquadra nesta descrição é chamado de anti-povo.

Economia

O populismo realiza políticas nacionalistas de substituição de importações, estatização de atividades econômicas estratégicas, imposição de restrições ao capital estrangeiro e concessão de direitos sociais.

O resultado é um endividamento público brutal, pois estas políticas desestimulam o setor produtivo.

Cooptação

Vários recursos são utilizados pelo líder para obter apoio popular. Esses artifícios vão desde a linguagem simples e popular, propaganda pessoal massiva e simplificação de problemas complexos através de recursos retóricos como a falácia e demagogia.

Desta maneira, o populismo prepara o terreno para a concretização de medidas autoritárias que desrespeitam os partidos políticos e instituições democráticas.

Por isso, além do autoritarismo e assistencialismo, os governos populistas controlam os meios de comunicação para que sejam instrumento de divulgação das ações governamentais.

Estratégias populistas

O político populista lança mão de efeitos retóricos e de propostas irrealistas para beneficiar os setores mais populares. Por outro lado, busca limitar o poder das elites políticas tradicionais, consideradas rivais.

Enquanto filosofia política, afirma os direitos e o poder dos desfavorecidos em detrimento dos privilégios da elite.

Assim, apesar das melhorias na qualidade de vida das populações envolvidas, o populismo não deve ser confundido a democracia plena. Esta preserva os direitos do cidadão e mantêm sua liberdade, o que não acontece em regimes populistas.

Igualmente, o líder e o povo tornam-se dependentes um do outro através da troca de favores. Isso gera práticas como o Clientelismo onde as pessoas são vistas como seres úteis apenas para as eleições e não cidadãos de pleno direito.

Populismo no Brasil

O principal líder populista no Brasil foi o presidente Getúlio Vargas.

Durante seu governo, especialmente na época do Estado Novo, foram utilizadas técnicas de captação populista: discurso nacionalista, engrandecimento da figura do líder e participação do povo para festas cívicas.

Enquanto isso, não havia eleições presidenciais, os meios de comunicação eram censurados e a polícia política vigiava os inimigos internos e externos.

Seguiram-se os governos de JK e Jânio Quadros, considerados populistas na medida que seus líderes se apresentavam como aqueles que tinham a solução para os problemas do país.

Populismo Hoje

O que foi o populismo na américa latina
Hugo Chávez, ex-presidente da Venezuela, discursa para a multidão

Os governos populistas voltaram à cena política no século XXI após o esgotamento do modelo neoliberal.

Na América Latina, observamos líderes como Hugo Chávez, na Venezuela e Cristina Kirchner, na Argentina.

Por sua vez, na Europa, o populismo está ligado aos partidos de direita como o italiano "Liga Norte", encabeçado por Matteo Salvini. Na França, a "Frente Nacional", da deputada Marine Le-Pen, cresce a cada eleição.

Também o governo de Donald Trump, nos Estados Unidos, e de Recep Tayyip Erdoğan, na Turquia, são considerados populistas.

Principais Regimes e Líderes Populistas

Com representantes tanto na esquerda quanto na direita, o populismo moderno é um fenômeno típico dos anos de 1920, especialmente após a crise de 1929.

Na América Latina, ele surgiu a partir de 1930, quando crescem a industrialização e a urbanização. Em consequência, se registra o enfraquecimento das estruturas políticas oligárquicas e agrárias.

No Brasil, surgiu com o advento da Revolução de 1930, a qual derrubou a República Velha oligárquica e estabeleceu Getúlio Vargas no poder.

Por fim, os movimentos populistas ganharam força nas democracias do primeiro mundo a partir dos anos de 1980, sobretudo no Canadá, Itália, Nova Zelândia e países escandinavos.

Líderes populistas

Por fim, os líderes mais proeminentes do populismo foram:

  • Benito Mussolini (1922-1943), na Itália;
  • Adolf Hitler (1932-1945), na Alemanha;
  • Getúlio Vargas (1930-1945/1951-1954), no Brasil;
  • Lázaro Cárdenas (1934-1940), no México;
  • Juan Domingo Perón (1946-1955/1973-1974), na Argentina;
  • Gustavo Rojas Pinilla (1953-1957), na Colômbia.

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O populismo é um conceito explicativo utilizado, frequentemente, quando nos referimos às experiências políticas de parte da história do Brasil e de outros países da América Latina.

A definição de populismo é bastante complexa, mas, de uma forma geral, quando o termo é utilizado, ele se refere a práticas políticas exercidas por governos da América Latina, ao longo do século XX. No caso do Brasil, o conceito clássico de populismo tem muita associação com o período de 1930 a 1964, considerado o auge do populismo no Brasil.

Ainda assim, a definição de populismo arrastou-se para o século XXI e está muito relacionada a governos que possuem um grande apelo com as camadas mais pobres do local que governa. No Brasil, alguns dos presidentes que foram considerados símbolos do populismo foram Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek e João Goulart.

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O conceito básico de populismo pode ser estruturado de acordo com as características listadas pelo professor Marcos Napolitano|1|.

  • Relação direta e não institucionalizada do líder com as massas: nessa característica, percebemos que o líder populista cria sua relação com as massas de maneira direta e baseada em seu carisma. Além disso, a construção dessa relação com o povo acontece sem a existência de uma estrutura política que a valide.

  • Nacionalismo econômico: regimes populistas, geralmente, assumem posturas com viés nacionalista, quando o assunto é a economia.

  • Discurso em defesa da união das massas: o discurso do líder populista sempre se volta para a conciliação das classes, uma vez que seu discurso vai para a nação. Existem também líderes populistas que ressaltam um discurso em nome do “povo”, contra uma elite ou uma oligarquia tirana.

  • Liderança política baseada no clientelismo: além do carisma e dos discursos, que apelam em nome da nação ou do povo, o líder populista escora seu poder na rede de troca de favores, também conhecida como clientelismo.

  • Frágil sistema partidário: o conceito clássico do populismo pressupõe a existência de um sistema partidário ou em estágio embrionário, ou inexistente, ou desmontado pelo líder populista. Isso reforça a ideia de que o poder do líder populista não se escora no sistema político, mas sim no seu carisma.

Essa caracterização do populismo, conforme mencionado, relaciona-se com a história do Brasil no período 1930-1964 e tem em seu grande representante Getúlio Vargas, sobretudo durante o Estado Novo. No caso da América Latina, o populismo é utilizado para explicar as experiências históricas relacionadas ao peronismo (Argentina), aprismo (Peru) e cardenismo (México).

Outros estudiosos do conceito defendiam também uma hipótese alternativa, que afirmava que o populismo era um estágio intermediário que sociedades “atrasadas”, no processo de modernização capitalista, enfrentavam conforme se modernizavam.

Enquanto essa modernização acontecia, as sociedades que a enfrentavam passavam por tensões muitos fortes, e o populismo era o mecanismo político que surgia para mediar o conflito de interesses que aconteciam nessas sociedades até que elas alcançassem um alto grau de desenvolvimento.

Como os historiadores analisam o uso do termo?

O uso do termo populismo, como chave de explicação conceitual dos fenômenos políticos do nosso país, foi muito forte durante as décadas de 1960 e 1970. A partir da década de 1990, o termo começou a ser reavaliado pelos historiadores, e as convicções antigas, a respeito do populismo, começaram a ser revisadas. A conclusão que se tira atualmente é que o populismo é um conceito que explica parte da nossa experiência política, mas não a explica em sua totalidade.

Assim, aplicações do populismo durante o período de 1930-1964 têm sido questionadas por meio dos novos estudos. Uma ideia questionada é aquela que afirma que o poder do líder era baseado totalmente no seu carisma, utilizado para manipular as massas em seu favor. Atualmente, os historiadores trabalham com a ideia de que as massas não eram necessariamente manipuladas, uma vez que poderiam ter demandas que eram preenchidas com o discurso do líder.

Outro ponto de questionamento importante está relacionado com o funcionamento do sistema partidário. A definição clássica de populismo estipula que o sistema partidário é frágil, mas no caso da Quarta República brasileira, também conhecida como República Populista, isso não é verdade, uma vez que a eleição e a sustentação dos presidentes em seu cargo somente ocorreram por meio do apoio político-partidário.

A Quarta República, inclusive, é um período de democratização no nosso país. Pela primeira vez, tivemos eleições baseadas no sufrágio universal (excluindo os analfabetos, apenas), e o país viveu um período de crescimento da participação do cidadão com a vida político-partidária. Esse processo de democratização do Brasil, apesar de complexo e repleto de tensões e atritos, foi interrompido quando ocorreu o Golpe de 1964.

O sistema partidário brasileiro era tão forte e importante, nesse período, que grande parte dos políticos só se elegeram por meio de uma rede de alianças que incluiu o PSD e o PTB. A sustentação dos presidentes brasileiros também dependia do apoio partidário. João Goulart é um caso exemplar, pois seu governo colapsou quando os políticos do PSD que o apoiavam romperam para ir para a oposição representada pela UDN.

É por essas e por outras questões que os historiadores sugeriram que o período conhecido como República Populista fosse renomeado como Quarta República, pois o termo populismo não explica toda a experiência política do Brasil nesse período.

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Presidentes populistas

Dentro do que foi dito, o período entre 1946 e 1964, conhecido como Quarta República, é encarado por muitos como o grande período populista da nossa história. Os principais presidentes desse período foram:

Os quatro últimos são encarados como exemplos de políticos populistas em nosso país. Caso você tenha interesse de saber mais sobre esse período da nossa história e conhecer a lista completa dos presidentes desse período, sugerimos a leitura deste texto.

Acesse também: Para saber mais sobre o governo de João Goulart, leia este e este texto.

Populismo de direita

Nos últimos anos, tem estado em evidência o uso da definição de “populismo de direita”. Esse conceito, desenvolvido na Ciência Política, é usado para se referir a governos e políticos de práticas populistas e que são ideologicamente conservadores, isto é, vogam ideologias que estão posicionadas na direita do espectro político.

Os estudiosos da área afirmam que o populismo de direita é uma construção recente e refere-se aos últimos trinta anos, estando diretamente relacionado com as crises sociais, políticas e econômicas que aconteceram nesse período e as transformações que o mundo enfrentou por conta da globalização.

Os populistas de direita também atuam no sentido de defender a vontade do líder, como a personificação da vontade do povo, e possuem discurso que promovem ataques contra uma elite ou um grupo específico e contra toda forma de cientificismo ou intelectualismo. O populismo de direita também tem tendência de promover ataques contra a imigração.

Populismo na Argentina

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Juan Domingo Perón é encarado por historiadores como o político de maior apelo populista da Argentina.**

Outro exemplo de governo classificado como populista na América Latina foi o governo de Juan Domingo Perón, presidente da Argentina entre 1946 e 1955 e 1973-1974. Muitos críticos do legado político de Perón, conhecido como peronismo, criticam outros governos posteriores, que supostamente se inspiraram na ideologia peronista.

Juan Domingo Perón era um coronel do exército argentino que ascendeu politicamente durante um período em que a Argentina foi governada pelo Grupo de Oficiais Unidos (GOU), formada por militares de tendências fascistas que flertavam em apoiar o Eixo e eram anticomunistas e católicos radicais.

Ganhou importância na Argentina após atuar no Ministério do Trabalho, legislando amplamente em benefício da classe de trabalhadores. Esse prestígio fez com que Perón saísse vitorioso na eleição presidencial de 1946, com cerca de 52% dos votos. Permaneceu no poder até 1955, quando foi deposto pelos militares.

Os indícios do populismo no regime de Perón são identificados a partir de uma análise de seu governo. O historiador Luis Alberto Romero afirma que Perón “estava disposto a conversar com todos os setores da sociedade e da política, […] e era capaz de sintonizar o discurso adequado a cada um deles, apesar de manter um apelo constante a ‘todos os argentinos’”|2|.

Na citação acima, podemos perceber a capacidade de negociação de Perón, o que é uma evidência de que ele era um líder carismático que conseguia conciliar grupos diversos em favor de seus interesses, percebemos também o discurso voltado para a “Nação”.

Perón, durante seu governo, reforçou fortemente os laços do Estado com os trabalhadores. Isso ficou bastante evidente nas tentativas de Perón de controlar os sindicatos e de ampliar inúmeros direitos dos trabalhadores.

Outro apelo do discurso populista se deu na criação de um discurso que pregava uma dicotomia povo x elite/oligarquia. Luis Alberto Romero fala que “Perón assumiu totalmente o discurso da justiça social, da reforma justa e possível, à qual se opunham apenas o egoísmo de uns poucos privilegiados”|3|, além disso, dividiu a sociedade argentina entre “povo” e “oligarquia”.

A visão de Estado para Perón estipulava que o Estado deveria ser o mediador dos conflitos da sociedade, além de ser o responsável por cuidar da economia e segurança das pessoas. Luis Alberto Romero fala que a visão de Perón, nessa questão, aproximava-se com a de Cárdenas, o grande nome do populismo no México|4|. Além disso, remata que a visão de Estado para Perón:

Implicava uma reestruturação das instituições republicanas, uma desvalorização dos espaços democráticos e representativos e uma subordinação dos poderes constitucionais ao Executivo, lugar onde estava estabelecido o dirigente, cuja legitimidade derivava mais do grande apoio popular que dessas instituições|5|.

Por fim, vale afirmar que a política de Perón foi abertamente nacionalista e, já durante o seu primeiro governo, nacionalizou ferrovias e bancos, além do Banco Central. A nacionalização da economia argentina foi um dos pilares do peronismo. Perón foi destituído do poder em 1955 por meio de um golpe militar.

|1| NAPOLITANO, Marcos. Democracia, “populismo” ou política de massas: a “República de 46”. Para acessar, clique aqui. |2| ROMERO, Luis Alberto. História contemporânea da Argentina. Rio de Janeiro: Zahar, 2006, p. 94. |3| Idem, p. 97. |4| Idem, p. 106.

|5| Idem nota 4.

*Créditos da imagem: FGV/CPDOC

**Créditos da imagem: FGV/CPDOC