Como aumentar a representatividade na publicidade

Sempre acreditei que a publicidade articula, para além dos cliques, leads e geração de negócios, muitas discussões, reflexões e transformações na sociedade. Uma pauta que vem tomando cada vez mais espaço no dia a dia dos profissionais de comunicação, através de importantes debates sobre diversidade e inclusão, é a representatividade. Na publicidade, a representatividade pode ser desenvolvida principalmente através de duas frentes: presença (incluindo grupos invisibilizados da sociedade nas comunicações) e retrato (avaliando como as pessoas estão sendo representadas, para evitar estereótipos negativos). Com consumidores cada vez mais atentos às questões sociais e identitárias, as marcas estão, mesmo que numa velocidade aquém do necessário, passando a retratar pessoas e corpos reais e deixando de lado as imagens estereotipadas e carregadas de manipulação.

Sabemos que a atenção às questões de diversidade e inclusão muitas vezes podem partir de um apelo ao ‘politicamente correto’, a fim de evitar crises de imagem para a marca, mas também pode ser motivada por profissionais de comunicação que acreditam em uma publicidade contraintutiva, que contribui para mudanças significativas na cultura. Isoladas, as campanhas publicitárias não são capazes de promover mudanças estruturais na sociedade, é verdade. Porém, a publicidade foi um importante veículo para chegarmos na cultura atual e agora pode ser parte da mudança.

Foi a partir dessas reflexões que desenvolvi o TCC da minha pós em Neurociências e Comportamento, que agora adapto para esse artigo, com o intuito de compartilhar meus aprendizados nesse processo com outros profissionais de marketing que buscam argumentações técnicas sobre o impacto da representatividade em campanhas publicitárias e nos processos decisórios do consumidor.

A maioria dos referenciais teóricos sobre a neurociência aplicada ao marketing é encontrada a partir do termo neuromarketing, porém muitas informações valiosas também podem ser encontradas pelo termo neurodesign. O neuromarketing tem o objetivo de mensurar os estados mentais conscientes e inconscientes do consumidor, já o neurodesign é a aplicação de insights de neurociência e de psicologia para a criação de designs mais eficazes, podendo aumentar o engajamento emocional, a captação da atenção e a memorabilidade de produtos e serviços.

Para além dos termos, é importante lembrar que falar sobre neurociência, representatividade e comportamento é falar sobre pessoas. Seth Godin diz, no livro Isso é marketing, que um profissional de marketing é curioso sobre outras pessoas, se pergunta pelo que os outros sofrem, o que os faz vibrar, é fascinado pelos sonhos e pelas crenças das pessoas e tem a humildade de aceitar que seu público enfrenta uma batalha diária contra a falta de tempo e de atenção. Godin também cita que a sociedade moderna é construída principalmente através da afiliação, não do domínio. Seria a representatividade uma forte aliada em gerar essa afiliação através das campanhas publicitárias?

O CÉREBRO

A mente humana ainda guarda grandes mistérios. Milhares de cientistas trabalham para elucidar suas funções moleculares, celulares, neurais e psicológicas, fornecendo visões cada vez mais profundas sobre como produzimos nossos pensamentos, sentimentos e comportamentos. São vários os conceitos sobre nossas mentes conscientes e inconscientes, e aprofundando a pesquisa sobre as teorias é possível perceber o quanto as memórias de longo prazo e nossas experiências vividas nos levam a tomar decisões por puro instinto. Temos um suposto cérebro que pensa, responsável pelo nosso consciente, análise, lógica e racionalidade; um cérebro que sente, responsável por nossas emoções e sentimentos, e um cérebro que decide, responsável por nossas decisões, por impulsos inconscientes e instintos. A mudança de um estado (racional, emocional ou instintivo) para outro ocorre em milionésimos de segundos.

De todas essas informações científicas que consultei sobre o cérebro, alguns processos importantes do complexo límbico e do neocórtex estão diretamente ligados a algumas das razões que podem tornar a representatividade fator de sucesso em campanhas publicitárias, já que o complexo límbico é responsável pela memória de longo prazo e a formação do inconsciente, enquanto o néocortex é responsável pelo reconhecimento de objetos, padrões e faces.

IMAGENS, ROSTOS E IDENTIDADES

Evoluímos a partir da observação de imagens. A visão é o nosso sentido mais evoluído e o que ocupa mais espaço no cérebro: 1/3. Somos consumidores hábeis de imagens, e as compreendemos com rapidez e facilidade. Antes de aprendermos a falar ou ler, somos capazes de decodificar e interpretar imagens, então essas têm acesso instintivo à nossa mente, principalmente inconsciente.

O sistema visual é hoje um dos mais bem compreendidos processos do cérebro. Através de estudos de neurocientistas, foi possível definir vários processos que são ativados no cérebro ao consumirmos imagens. Compartilho abaixo apenas alguns desses achados:

  • O córtex visual ou occipital, posicionado na parte de trás da cabeça, processa as informações transmitidas pelos olhos.
  • O córtex órbito-frontal medial fica mais ativo quando as pessoas veem imagens que avaliam como belas.
  • O lado direito do cérebro é especializado na decodificação de padrões visuais.

Embora tenhamos evoluído para decodificar informações transmitidas pelos olhos, o volume e a variedade de imagens a que estamos expostos são inéditos e todos nos tornamos observadores rasantes. É por isso que estratégias de neuromarketing devem ser cuidadosas no aspecto visual, utilizando, principalmente, formas e imagens já conhecidas, em especial as aprendidas na infância e na adolescência.

Muito da nossa percepção social segue caminhos que não estão associados à consciência, seja ela intencional ou não. As pessoas, em geral, não têm tempo suficiente para pesquisar em profundidade e considerar todos os detalhes do que estão observando, fator que reforça a influência das imagens nas escolhas e decisões. Ao navegarem em sites de internet, vendo anúncios ou designs, as pessoas não estão muito dispostas a exercitar a mente consciente, e querem tomar decisões rápidas com apenas algumas informações. Alguns experimentos demonstram, por exemplo, que ao acessar uma página de internet pela primeira vez, as pessoas chegam à conclusão de gostar ou desgostar dela em 0,05 segundos.

O cérebro humano tem um viés para imagens que facilitem a decodificação, e as imagens mais simples e mais compreensíveis levam vantagem sobre as mais complexas, sem que o observador tome ao menos conhecimento sobre esse processo. Por tudo isso, temos naturalmente preferência pelo familiar, e geralmente não vemos como ameaça objetos e situações com que estamos familiarizados.

Através de um estudo, algumas imagens foram repetidas várias vezes de forma muito rápida, e era impossível descobrir conscientemente a repetição delas. Os participantes preferiam as imagens que eles tinham visto mais de uma vez, mesmo que não tivessem consciência da repetição. Ou seja, não é somente a exposição ou a familiaridade em si que induz preferência, e sim o fato de que quanto mais vemos alguma coisa, mais fácil se torna o seu processamento, e esse é o modelo que explica por que as pessoas têm preferência por encontrar indivíduos com fisionomia parecida com a sua.

Imagens de rostos são uma das maneiras mais fáceis e mais eficazes de propiciar respostas emocionais, pois o cérebro tem regiões exclusivas para o processamento de rostos.

O cérebro emocional é tão sensível na percepção de rostos que podemos perceber rostos em nuvens ou pedras, fenômeno conhecido como pareidolia facial. Podemos detectar emoção nas fisionomias em cerca de 100 milissegundos. Em nosso passado era extremamente importante detectar rapidamente um estranho para tratá-lo como amigo ou inimigo, o que parece nos predispor a formular julgamentos e reflexos quase automáticos até os dias de hoje.

Cada objeto ou pessoa que encontramos no mundo é único, mas nós não funcionaríamos muito bem processando toda essa informação. Não temos tempo nem capacidade mental para observar e considerar cada detalhe de todos os itens do nosso ambiente. É por isso que o cérebro frequentemente categoriza coisas e pessoas e armazena padrões. Para rostos, por exemplo, o ser humano define um rosto médio, para que ao processarmos novos rostos só precisemos destacar as diferenças existentes entre o novo e o médio. O rosto médio é basicamente a média de todos os rostos já observados, e, em geral, nenhum rosto é mais visto do que o próprio, pois o vemos todos os dias no espelho. Ou seja, nosso próprio rosto enviesa intensamente nosso padrão de rosto médio. Há exceções à regra, pois devem se acrescentar a esse rosto médio gostos e preferências, que podem ser induzidos por fatores demográficos como nacionalidade, gênero, idade, o que também acaba por influenciar nossas preferências visuais.

Com um volume cada vez mais expressivo de imagens expostas e tantas variáveis sendo consideradas de forma inconsciente na tomada de decisão, as marcas precisam abandonar o entendimento de que consumidores são totalmente racionais. Quando em dúvida, profissionais de marketing devem supor que as pessoas agirão de acordo com seus atuais impulsos irracionais, ignorando informações que vão contra suas crenças, pois são altamente influenciadas pela cultura com a qual se identificam, seja qual for o grupo a que pertencem. Os seres humanos são solitários e fazem conexões, querem ser vistos e conhecidos. As pessoas querem fazer parte de alguma coisa.

Os desafios dos profissionais de marketing ficam cada vez mais ligados a criar conexões com os públicos que deseja alcançar. Quanto mais micro a segmentação, mais a estratégia será efetiva (e mais difícil será a execução). A segmentação de marketing foi concebida em 1950 e evoluiu muito desde então, e se dá hoje de quatro maneiras: geográfica, demográfica, psicológica e comportamental. Para as segmentações psicológicas e comportamentais a representatividade se mostra uma forte aliada para o sucesso da estratégia, pois como vimos, a probabilidade de atingir uma alta afiliação (e consequentemente maior atenção) passa por criar associações com maior rapidez e facilidade. Considerando que o rosto médio do consumidor brasileiro leva em consideração a sua própria identidade, se torna justificável e inteligente representá-lo e torná-lo cada vez mais frequente nas campanhas publicitárias.

POR QUE A PUBLICIDADE?

A sociedade contemporânea é centrada no consumo, e a publicidade, ao passo que está inserida nesse contexto capitalista, constrói representações do mundo em suas narrativas. Estamos expostos diariamente a inúmeros estímulos publicitários, de diversas marcas, e aprendemos juntos que a frequência de exposição torna não só uma marca mais conhecida, como um rosto mais familiar. A publicidade é um meio importantíssimo para tornarmos rostos e corpos familiares, e pode ser contraintuitiva, salientando e buscando promover uma mudança na estrutura cognitiva dos indivíduos, operando uma provocação para atualizar suas crenças tradicionais. Esse processo é estimulado pelas novas informações às quais os indivíduos são expostos, e a publicidade pode ser produtora dessas novas informações.

A indústria criativa parece já ter percebido o quanto a neurociência pode explicar o valor que a representatividade agrega aos negócios, e o tamanho do seu potencial para transformar a sociedade. É cada vez mais comum vermos grandes marcas e meios midiáticos abordando a pauta da diversidade e inclusão. O Grupo Meta, por exemplo, atua com a iniciativa Ads for equality, por onde aborda a importância da diversidade, inclusão e representatividade na publicidade, trazendo inúmeros dados e pesquisas sobre a representação midiática, além de disponibilizar diversos reports e ferramentas, como o checklist contra o estereótipo, para que profissionais de comunicação possam trabalhar em prol da representatividade em seu dia a dia. Mesmo com alguns avanços como o esse, sabemos que a representatividade não é realidade absoluta na comunicação de anunciantes brasileiros. A ONU, em 2020, alegou que a representatividade na propaganda está longe do ideal, destacando algumas análises nos recortes de raça, gênero, idade, orientação sexual e pessoas com deficiência (PCDs).

Uma coisa é certa: para mudar a cultura, não temos escolha a não ser reconhecer a cultura que procuramos mudar.

Devemos adicionar detalhes com intenção. Os detalhes semióticos que escolhemos usar, como a inclusão de diferentes rostos e corpos em nossas comunicações, dependem de nós para serem usados. Não representá-los é tão intencional quanto representá-los. Por muito tempo, assim como nas demais produções midiáticas, a publicidade retratou um rosto médio branco, com traços europeus, heterossexual e de classe socioeconômica estável. Seria justo que ela contribuísse para atualizar esse rosto médio para um que inclui a maior parte da população brasileira, ainda subrepresentada. Principalmente entre as minorias, a publicidade pode preparar a estrutura da memória dos indivíduos para que suas imagens sejam cada vez mais familiares à sociedade. As narrativas dos meios de comunicação, assim como auxiliaram no processo de construção das representações (muitas vezes estereotipadas), podem agora contribuir para a sua desconstrução. Em outras palavras, a publicidade pode influenciar, através dos conhecimentos em neurociência, no desenvolvimento de um novo cérebro inconsciente, já que possivelmente o construiu até aqui.

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