A resistencia movimentos populares sindicais

Analisa‑se o movimento dos trabalhadores da Ford de São Bernardo, em São Paulo, contra o anúncio, pela empresa, de 2800 demissões em Dezembro de 1998. Discutem‑se, sem pretensões conclusivas, as condições e possibilidades de resistência oferecidas pelo sindicalismo CUT aos processos ora em curso no Brasil, que apontam, como tendências principais, para a flexibilização de direitos, a precarização das relações de trabalho, a destituição dos sujeitos colectivos que se colocam numa perspectiva autónoma e, por conseqüência, a desarticulação do espaço público.

This text analyzes the movement of the Ford workers at São Bernardo, São Paulo, against the company’s announcement of 2,800 dismissals in December of 1998. It discusses the conditions and possibilities provided by CUT unionism for resisting the ongoing processes in Brazil. The main trends point to the flexibilization of rights, the precarization of labour relations, the disempowerment of collective subjects which place themselves in an autonomous position, and, as a consequence, the disarticulation of the public space.

Cet article analyse le mouvement des travailleurs de Ford de São Bernardo à São Paulo, contre l’annonce par l’entreprise de 2800 licenciements en décembre 1998. On discutera, sans avoir la prétention d’en déduire des conclusions définitives, les conditions et les possibilités de résistance proposées par le syndicat CUT devant les processus alors en cours au Brésil, qui visent tendanciellement à rendre flexibles les droits des travailleurs, à rendre précaires les relations de travail, à démanteler les sujets collectifs qui prennent position dans une perspective autonome et par conséquent, à désarticuler l’espace public.

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1  O presente paper é uma versão modificada de um trabalho apresentado ao XXIV Encontro Anual da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais, realizado entre 23 e 27 de outubro de 2000, em Petrópolis, Rio de Janeiro.

2  “A privatização do público é uma falsa consciência de desnecessidade do público. Ela se objetiva pela chamada falência do Estado, pelo mecanismo da dívida pública interna, onde as formas aparentes são as de que o privado, as burguesias, empresam ao Estado: logo, o Estado, nessa aparência, somente se sustenta como uma extensão do privado. O processo real é o inverso: a riqueza pública, em forma de fundo, sustenta a reprodutibilidade do valor da riqueza, do capital privado” (1999: 68).

3  Zapata (1994) propõe uma síntese dos principais impactos sofridos pelo sindicalismo da América Latina, com a transição de um modelo de desenvolvimento baseado, grosso modo, na industrialização por substituição de importações para um outro apoiado na transnacionalização do mercado interno. Destaca: a abertura ao mercado internacional, as mudanças na estrutura ocupacional, a privatização das empresas estatais e a ofensiva anti-sindical. Para Oliveira (1998: 214), entretanto, “há algo mais tenebroso por trás da renúncia ao combate ao desemprego e à miséria”: “as classes dominantes na América latina desistiram de integrar a população, seja à produção, seja à cidadania”. A própria possibilidade da democracia estaria, assim, em questão.

4  Expressão adotada pelo Centro de Estudos dos Direitos da Cidadania - Cenedic/USP, com o intuito de designar as iniciativas de cunho neoliberal, ora em curso, voltadas a flexibilizar direitos e destituir o espaço público.

5  Este termo é aqui usado no sentido arendtiano, como espaço da visibilidade pública, da “aparência”, onde a ação e o discurso de cada um podem adquirir um sentido de constituição de um “mundo comum”, auto-reconhecendo-se como compartilhando um destino comum, regido portanto pela pluralidade humana: “O mundo comum acaba quando é visto somente sob um aspecto e só se lhe permite uma perspectiva” (Arendt, 1999: 68).

6  Região que integra a área metropolitana da Capital e é formada por 7 municípios, cujos mais importantes são: Santo André, São Bernardo e São Caetano. De suas iniciais derivou a denominação “ABC”.

7  Que havia sido implantada no Estado Novo, entre as décadas de 30 e 40. Nos termos de Schmitter (1974), caracterizar-se-ia como um corporativismo de tipo estatal.

8  Segundo Weffort (1973), tratou-se de uma prática sindical prevalecente sobretudo a partir dos anos 50 até o Golpe e caracterizou-se, grosso modo, por acomodar-se à estrutura corporativista e manter-se estreitamente ligada ao regime populista e à ideologia nacionalista.

9  Particularmente, os casos da Itália do pós-guerra, da Espanha pós-franquista e de Portugal pós-salazarista.

10  Ao lado da CUT, as mais importantes são a Central Geral dos Trabalhadores – CGT, criada em 1986, e a Força Sindical, crida em 1991.

11  Esse papel, nos termos de Fiori (1997: 237), reduziu-se, na prática, “à função exclusiva de guardião dos equilíbrios macroeconômicos. Guardiães que acabam prisioneiros de sua própria armadilha e impotentes, ou incapazes, de definir prioridades e implementar políticas de incentivo setorial à competitividade, de oferecer proteção social às suas populações, de prestar os serviços públicos mais elementares, ou mesmo finalmente de garantir a ordem e o respeito às leis”.

12  Quanto ao debate atual sobre as mudanças no Direito do trabalho, ver Siqueira Neto (1996) e Krein e Oliveira (1999), sobre o Brasil, e Zapata (1994) e Uriarte (1995, 1996), sobre a América Latina.

13  Atualmente tramita no Congresso um projeto de reforma da Consolidação das Leis Trabalhistas – CLT, que torna alguns direitos legalmente constituídos em objeto de negociação coletiva. O que, na prática, significa converter o que era piso em teto.

14  A respeito do caráter neoliberal do governo Fernando Henrique Cardoso (FHC), ver também Fiori (1997).

15  Constituídas como espaços públicos de negociação tripartite, envolvendo o governo, empresários e sindicatos, envolveram vários setores da economia (metalúrgico, máquinas agrícolas, químico, construção civil), entre 1992 e 1993. Foram desativadas quando FHC tornou-se Ministro da Fazenda e, depois, Presidente da República. O caso de maior destaque foi o do Setor Automotivo, que realizou dois acordos, avaliados por Oliveira et al. (1993: 6) como um ponto de inflexão no padrão de relações de trabalho no país, ao inaugurar uma “nova contratualidade”. Ver ainda: Oliveira et al. (1992), Arbix (1996), Cardoso e Comin (1995).

16  Ver, por exemplo, Castro (2000) e Melo (2001). Hermes Costa (CES/Universidade de Coimbra) atualmente desenvolve estudo sobre esse tema.

17  Ver, por exemplo, SMABC (1996), Castro (1995), Arbix e Zilbovicius (1997) e CNM/Dieese (1998).

18  Houve, também, uma alteração na composição do produto: a participação dos chamados “carros populares”, lançados em 1993, passou de 23,7% para 61,4% da produção total, em 1997, demarcando uma especialização frente à produção mundial (CNM/Dieese, 1998: 71).

19  Nesse segmento, o nível de emprego caiu de mais de 300 mil trabalhadores, em 1989, para pouco mais de 230 mil, em 1994 (SMABC, 1994).

20  Sobretudo reduzindo a alíquota de importação de peças, de componentes e de máquinas.

21  A respeito dos custos público da “guerra fiscal”, particularmente no que se refere à indústria automobilística, em estudo comparado com o caso norte-americano, ver Arbix (2001).

22  Nome fictício.

23  As famosas greves dos metalúrgicos do ABC eclodiram nos anos de 1978 a 1980, ainda sob a Ditadura Militar, desencadeando uma nova fase no sindicalismo brasileiro, denominado “novo sindicalismo”.

24  Vicente Paulo da Silva, então presidente da CUT e ex-presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC – SMABC.

25  Luis Marinho é o atual presidente do SMABC.

26  Depoimento dado ao autor em dezembro de 1999.

27  Não se trata, portanto, de desenvolver uma análise de possibilidades objetivamente dadas, detendo-se em elementos supostamente determinantes da prática sindical e das alternativas que a ela se colocam. Procuramos nos apoiar no conceito de experiência, no sentido empregado por Thompson (1981), o que exige uma abordagem do diálogo estabelecido, em uma perspectiva histórica, entre os sujeitos nela envolvidos e as evidências e estruturas que configuram a materialidade que os impregna.

28  Para uma reconstituição detalhada do movimento, desde o seu início até o seu desfecho final em meados de 2000, ver Véras (2002b).

29  Diário do Grande ABC (DGABC), 05/01/99.

30  João Ferreira Passos, o Bagaço, diretor do Sindicato, traduz o espírito do movimento: “Nós avisamos que, a cada ação da Ford, promoveríamos uma reação” (DGABC, 18/01/99).

31  Ver, por exemplo, editorial da Tribuna Metalúrgica – TM (04/01/99), jornal diário do SMABC, e depoimento de Vicentinho (DGABC, 05/01/99), no início, e TM (04/01/99) e depoimento de Luiz Marinho (Diário Popular, 04/02/99), no meio do processo.

32  “Lutar contra as demissões anunciadas pela Ford é compromisso de todos os trabalhadores na empresa, e não só dos que receberam a carta e demissão. Ninguém, horista ou mensalista, sabe qual será seu futuro aqui, por isso nossa unidade é mais importante que nunca” (TM, 04/01/99).

33  “A idéia é mostrar que a luta não é só dos 2,8 mil trabalhadores demitidos, mas de 2,8 mil famílias” (uma das mulheres envolvidas, DGABC, 11/01/99).

34  Segundo Castel (1998: 495-496), “Ou não há, como pretendia Gambetta, senão ‘problemas sociais’ particulares, uma pluralidade de dificuldades a enfrentar uma a uma, ou há uma questão social e é a questão do estatuto do salariado, porque chegou a estruturar nossa formação social quase inteiramente. O salariado acampou durante muito tempo às margens da sociedade; depois aí se instalou, permanecendo subordinado; enfim, se difundiu até envolvê-la completamente para impor sua marca por toda parte. Mas é exatamente no momento em que os atributos vinculados ao trabalho para caracterizar o status que situa e classifica um indivíduo na sociedade pareciam ter-se imposto definitivamente, em detrimento dos outros suportes da identidade, como o pertencimento familiar ou a inscrição numa comunidade concreta, que essa centralidade do trabalho é brutalmente recolocada em questão. Teremos chegado a uma quarta etapa de uma história antropológica da condição de assalariado, etapa em que sua odisséia se transforma em drama?”.

35  “O maior trunfo dos trabalhadores está sendo a solidariedade, nascida aqui dentro e que ganhou dimensão nacional. Entidades e movimentos que nos apoiam enviaram alimentos e dinheiro para sustentar nossa luta pelo emprego. A solidariedade é a grande arma dos trabalhadores para enfrentar este novo modelo econômico que toma conta do mundo. Você já percebeu que a globalização exige uma dose alta de individualismo? E você, paga esse preço? (...) Um dos méritos do nosso movimento foi justamente remar contra essa maré individualista, despertando a solidariedade e fazendo dela nossa arma pelo emprego” (Jornal da Comissão de Fábrica da Ford, março de 1999).

36  Fórum público constituído por entidades da sociedade civil e setores do executivo e legis- lativo locais e estadual, visando a promoção de uma perspectiva comum de desenvolvimento para a região. A esse respeito, ver, por exemplo, Câmara do ABC (1999), Leite (2000) e Daniel (2001).

37  “Governadores endividados e temerosos da queda de arrecadação que terão com tamanha contração econômica e desemprego começam a apoiar as idéias de Marinho, que vão além do caso dos demitidos: a redução de juros, alguma proteção para a indústria nacional, a criação de projetos setoriais de desenvolvimento, como por exemplo o incentivo à renovação da frota de automóveis no Brasil” (O Estado de São Paulo – ESP, 10/01/99).

38  Ministros, o presidente do Senado, Antônio Carlos Magalhães, e o próprio Fernando Henrique Cardoso.

39  Ver carta enviada pelo Sindicato para a diretoria da Ford (TM, 05/01/99).

40  “O governo federal e o antigo governo do Rio Grande do Sul deram R$ 1,5 bilhão para a Ford montar uma fábrica no Estado, que vai gerar pouco mais de 700 empregos com salários achatados. Enquanto isso, a Ford demite 2.800 trabalhadores no ABC. Isto é, além de promover uma política econômica desastrosa, onde os juros altos impedem o crescimento e aumentam as demissões – como é o caso da Ford –, o governo FHC mantém uma política industrial onde o governo patrocina grandes empresas sem exigir nenhum compromisso social” (TM, 04/01/99).

41  Através, por exemplo, da proposta do Programa de Renovação de Frotas (SMABC, 1998) e do Plano Emergencial, lançados no final do ano anterior.

42  Para abordagens diferenciadas entre si a esse respeito, ver, por exemplo, Antunes (1997), Blass (1998), Rodrigues (1999) e Boito Jr. (1999).

43  “O que a destruição do público opera em relação às classes dominadas, como o exemplo da câmara setorial do setor automotivo nos mostra, é a destruição de sua política, o roubo da fala, sua exclusão do discurso reivindicativo e, no limite, sua destruição como classe; seu retrocesso ao estado de mercadoria, que é o objetivo neoliberal” (Oliveira, 1999: 79).

44  “A indústria automobilística brasileira está estruturada para um mercado acima de 2 milhões de veículos, enquanto a realidade atual projeta uma produção de cerca de 1,3 milhão de unidades em 1999 (...) Como conseqüência, a Ford teve de reduzir a sua produção, em São Bernardo do Campo, de 1.100 carros/dia para cerca de 500 carros/dia, visando adequar-se à demanda” (Informe publicitário assinado pela Ford, veiculado nos principais jornais do país em 18 de janeiro de 1999).

45  A empresa disponibiliza as verbas das indenizações em agências bancárias e chama os demitidos a assinarem a rescisão e sacarem o dinheiro. O Sindicato denuncia: “Esse golpe de depositar as verbas rescisórias foi baixo” (Rafael Marques, coordenador da Comissão de Fábrica da Ford, DGABC, 17/01/99).

46  Após o anúncio, que não podia deixar de ser comunicado publicamente, a Ford só veio se pronunciar oficialmente no dia 18 de janeiro, quanto fez circular na imprensa um informe publicitário, procurando se justificar, já em um momento em que o caso havia ganhado repercussão nacional.

47  Que teria fechado cerca de 10 mil postos de trabalho durante 98 (Folha de São Paulo – FSP, 26/12/98).

48  Francisco Dornelles, Ministro do Trabalho (ESP, 10/01/99). Em outras entrevistas, chegou a apelar para que as empresas olhassem o “lado social”, mas sempre reafirmando que o governo não tinha “base legal” para intervir (DGABC, 12/01/99 e 15/01/99). Esse foi o mesmo tom de entrevistas de Celso Lafer, então ministro do Desenvolvimento (DGABC, 11/01/99) e do próprio FHC (DGABC, 11/01/99).

49  Flagrante a esse respeito foi a declaração de FHC, dada no momento em que a Ford ameaçava fechar sua unidade no Ipiranga e em que o governo federal e o governo da Bahia destinavam incentivos fiscais e empréstimos a juros especiais para a implantação de uma nova unidade da empresa nesse Estado. Diante da pressão dos trabalhadores para que o governo tentasse impedir o fechamento da planta, o presidente declarou: “Eu não tenho como gerir uma decisão da Ford, não é meu papel. Isso é outra questão (...) Eu não sou da Ford. Não tenho nada a ver com a Ford, não sei o que eles vão fazer (...) Também respeito totalmente os operários da Ford, acho que eles têm de lutar pelo emprego deles e têm o meu apoio na luta pelo emprego, sempre (...) É uma decisão da Ford. Eu não tenho como ingerir na decisão da Ford... Foi para a Bahia porque quis, não porque eu tivesse induzido” (FSP, 23/07/99).

50  Luiz Marinho chegou a confessar: “Desde o início achava difícil, não impossível, conseguir o que conseguimos” (TM, 04/02/99). Lula não economizou elogios: “Na história da luta contra o desemprego, não tem precedente a Ford voltar atrás. Foi uma grande vitória” (Diário Popular – DP, 04/02/99).

51  Serviço Nacional da Indústria (órgão voltado à qualificação profissional, administrado por entidades empresariais).

52  Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (criado no início do regime militar, para substituir o direito de estabilidade no emprego após 10 anos de vínculo).

53  “No mínimo os companheiros da Ford mostraram ao País que os trabalhadores ainda estão vivos, apesar do recuo das lutas sociais provocado pela recessão. Mostraram que, apesar da hegemonia neoliberal sobre toda a sociedade, ainda é permitido lutar. E, mais importante, ainda é possível obter sucesso em novas lutas, pelo menos em cima de objetivos imediatos e parciais, como foi o caso da suspensão das 2.800 demissões da Ford.” (Luiz Marinho, Unidade Metalúrgica, março de 1999); “Não dá para explicar a sensação. Nem se eu pegasse o dicionário, eu explicaria o que estou sentido. Abracei uma causa. Renunciei a tudo, dormi duas horas por dia, e hoje a gente está vendo o resultado daquilo que a gente fez” (Sônia Gonçalves, esposa de um dos ex-demitidos, Diário Popular, 04/02/99).

54  “A luta fez a diferença. A união dos demitidos com os não-demitidos e a solidariedade trouxeram a conquista. O desfecho do movimento de resistência abre uma grande janela e um bom horizonte para nós trabalhadores na Ford do Ipiranga, e para os companheiros de Taubaté” (Paulão, da Comissão de Fábrica da Ford Ipiranga, na TM, 04/02/99).

55  Para Oliveira (1998: 203), o conceito de hegemonia não daria mais conta do atual projeto dominante: “apesar de que a aparência seja de uma hegemonia finalmente lograda, após o longo período de violentas transformações e de pesados ajustes no interior do bloco dominante, que sempre se renovou, diga-se de passagem, o conceito perde eficácia porque o processo em curso não é integrador. O totalitarismo, apesar de seu claro inacabamento, parece mais produtivo teoricamente. Ele se refere a um processo de destruição do campo de significados comuns a dominantes e dominados, e seu sonho é o apartheid total”.

56  “Essa discussão é muito importante e fundamental para nossas vidas. Por isso, os trabalhadores precisam participar ativamente do processo que está começando” (Jornal da Comissão, março de 1999).

57  O tom da fala de um diretor da Ford, após o anúncio da possibilidade de 700 demissões na sua unidade do Ipiranga, é ilustrativo disso: “Acordos como o da Volks não cabem para nós. Nossa produção caiu de 220 caminhões/dia para 130 e, por isso, teremos que proteger nossos custos. Resta para os sindicatos a criatividade” (Jornal da Tarde, 14/01/99, grifo nosso).

58  Como bem ilustra os termos da carta enviada pelo Sindicato à Ford, logo após o anúncio das demissões: “Lamentamos que medidas de impacto tão elevado sejam tomadas sem que tenha havido a mínima tentativa de um processo de negociação. Este Sindicato, que sempre soube buscar alternativas e tem dado provas concretas nesse sentido, exige a suspensão das demissões e a abertura imediata de negociações, visando soluções menos traumáticas para os trabalhadores, para a saúde da própria empresa, para a realidade social da região e até mesmo para a economia brasileira como um todo” (TM, 05/01/99).

59  No sentido atribuído por Arendt (1999).

60  Para se ter uma idéia desse esforço, segundo O ESP (10/01/99), “O presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, Luiz Marinho, não consegue mais esconder o cansaço. Todos os dias para ele começam às 5 horas da manhã, quando vai liderar assembléias na Ford, para em seguida decidir se enfrenta uma viagem a outros Estados ou o carregado trânsito entre São Bernardo do Campo e São Paulo, sempre em busca de apoios políticos importantes. Tem dado mais de 30 entrevistas por dia e negociado, formal ou informalmente, com a direção da empresa”.

61  Para Oliveira (1998: 368), vivemos um momento de “desuniversalização da dominação, que portanto redefine-se como apenas dominação, des-democratiza e transmuta-se em totalitarismo”, marcado pela tendência “da impossibilidade do dissenso, da alternativa, do seqüestro do discurso e da fala contestatória, da anulação da política”. Com Rancière (1996: 220), temos que dissenso “É a divisão do núcleo mesmo do mundo sensível que institui a política e sua racionalidade própria”, acrescentando: “a racionalidade da política é a de um mundo comum instituído, tornado comum, pela própria divisão”.

62  “A luta dos companheiros da Ford pela retomada de seus empregos é de todos nós. É uma luta contra a política de desemprego do governo. Ela é a vitrine da nossa insatisfação, é a resistência contra a fome, a miséria, a privatização das nossas estatais, a quebradeira das nossas indústrias” (Jornal da CUT/SP, janeiro de 1999); “Do ponto de vista simbólico, o retorno dos trabalhadores da Ford mostrou para a população de todo o País que é possível quebrar o discurso hegemônico neoliberal, de necessidade de ‘enxugamento da máquina’, ‘reestruturação’, ‘reengenharia’, ‘custo do mercado globalizado’ - que descarta pessoas como máquinas antigas e obsoletas e passou a dar vida e expressão aos índices de desemprego” (Célia Regina, DP, 03/02/99).

63  Que Beynon (1997) designa por “ascensão do individualismo” e “queda da ética coletiva”.

64  Na fala de Luiz Marinho: “A Ford teve de voltar atrás. A partir daí, tudo é possível” (DP, 04/02/99) e de Lula: “Essa peãozada entende o simbolismo do que aconteceu aqui hoje. Ela viu, pela primeira vez, que é possível não aceitar o desemprego como fato consumado” (Unidade Metalúrgica, março de 1999).

65  Para Oliveira (1998) prevalece a “privatização do público, a destituição da fala e a anulação da política”.

66  Ver a respeito Véras (2001).

67  Tais como: a Câmara Regional do ABC, o Fórum da Cidadania, a Central de Trabalho e Renda, o Programa Integrar (qualificação profissional), o Mova (Movimento de Alfabetização), a Unisol (central de cooperativas), entre outras. Todas implicando em novas relações com a sociedade e, conseqüentemente, com a esfera pública.

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