Analise a imagem a seguir para responder a questão teacher

De acordo com diversos estudos realizados no campo da eficácia escolar, o professor - e suas práticas - é um dos fatores escolares que mais impactam no aprendizado dos alunos (DARLING-HAMMOND, 2000DARLING-HAMMOND, L. Teacher quality and student achievement: a review of state policy evidence. Education Policy Analysis Archives, v. 8, n. 1, p. 1-44, jan. 2000.; SOARES, 2003SOARES, T. M. Influência do professor e do ambiente em sala de aula sobre a proficiência alcançada pelos alunos avaliados no Simave-2002. Estudos em Avaliação Educacional, São Paulo, n. 28, p. 103-123, jul./dez. 2003.; MORICONI, 2012MORICONI, G. M. Medindo a eficácia dos professores: o uso de modelos de valor agregado para estimar o efeito do professor sobre o desempenho dos alunos. 2012. Tese (Doutorado em Administração Pública e Governo) - Escola de Administração de Empresas, Fundação Getúlio Vargas, São Paulo, 2012.; MUIJS et al., 2014MUIJS, D. et al. State of the art: teacher effectiveness and professional learning. School Effectiveness and School Improvement, v. 25, n. 2, p. 231-256, 2014.). Dessa forma, a distribuição dos professores entre escolas é uma questão relevante na discussão sobre oportunidades educacionais, uma vez que docentes são considerados recursos escolares primordiais (CLOTFELTER; LADD; VIDGOR, 2010CLOTFELTER, C. T.; LADD, H. F.; VIGDOR, J. L. Teacher mobility, school segregation and pay-based policies to level the playing field. Washington, DC: National Center for Analysis of Longitudinal Data in Education Research, 2010. (Working Paper, 44). Available at: https://caldercenter.org/sites/default/files/CALDERWorkPaper_44.pdf. Access on: Aug. 26, 2018.
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; RAO; JANI, 2011RAO, R. R.; JANI, R. Teacher allocation and equity in Malaysian schools. International Journal of Institutions and Economies, v. 3, n. 1, p. 130-112, Apr. 2011.) e a forma como recursos de qualidade são distribuídos entre os alunos é fundamental para analisar se um sistema está mais propenso a diminuir ou aumentar desigualdades.

Pesquisas internacionais são consistentes em indicar que os principais fatores associados à mobilidade docente são aqueles relacionados com as características das escolas, como a composição do alunado (o nível socioeconômico, a forte presença de minorias étnicas), o clima escolar e o nível de aprendizagem dos alunos, geralmente observado pelo desempenho dos estudantes em avaliações externas e nos resultados de políticas de responsabilização escolar (BOYD et al., 2008BOYD, D. et al. Who leaves? Teacher attrition and student achievement. Cambridge: National Bureau of Economic Research, 2008. (NBER Working Paper, 14022). Available at: http://www.nber.org/papers/w14022. Access on: May 8, 2018.
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; ALLENSWORTH; PONISCIAK; MAZZEO, 2009ALLENSWORTH, E.; PONISCIAK, S.; MAZZEO, C. The schools teachers leave: mobility in Chicago public schools. Research Report. Consortium on Chicago School Research at the University of Chicago Urban Education Institute. Chicago, 2009.; WEST; CHINGOS, 2009WEST, M. R.; CHINGOS, M. M. Teacher effectiveness, mobility and attrition in Florida. In: SPRINGER, M. G. (ed.). Performance incentives: their growing impact on American K-12 education. Washington, DC: Brookings Institution Press, 2009.; FENG; FIGLIO; SASS, 2010FENG, L.; FIGLIO, D. N.; SASS, T. School accountability and teacher mobility. Cambridge: National Bureau of Economic Research, 2010. (NBER Working Paper, 16070). Available at: http://www.nber.org/papers/w16070. Access on: May 8, 2018.
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).

No Brasil, são poucos os estudos que investigaram os fatores e os efeitos da mobilidade e da rotatividade docente, sendo a maior parte deles qualitativos, e os poucos quantitativos apresentam diversas limitações metodológicas para identificar padrões desses fenômenos. Ainda assim, tais estudos (TORRES et al., 2008TORRES, H. D. G. et al. Educação na periferia de São Paulo: ou como pensar as desigualdades educacionais? In: RIBEIRO, L. C. D. Q.; KAZTMAN, R. A cidade contra e escola? Segregação urbana e desigualdades educacionais em grandes cidades da América Latina. Rio de Janeiro: Letra Capital, Faperj; Montevideo: Ippes, 2008. p. 59-90.; DUARTE, 2009DUARTE, R. G. Os determinantes da rotatividade dos professores no Brasil: uma análise com base nos dados do SAEB 2003. 2009. Dissertação (Mestrado em Economia) - Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, 2009.; ALVES et al., 2013ALVES, M. T. G.; SOARES, F. F. Contexto escolar e indicadores educacionais: condições desiguais para a efetivação de uma política de avaliação educacional. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 39, n. 1, p. 177-194, jan./mar. 2013.; CUNHA, 2015CUNHA, M. B. Rotatividade docente na rede municipal de ensino da cidade do Rio de Janeiro. 2015. Tese (Doutorado em Educação) - Programa de Pós-Graduação em Educação, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2015.) apontam a rotatividade docente como um fator para a manutenção das desigualdades educacionais entre escolas com perfis socioeconômicos diferentes. Aquelas que atendem à população mais vulnerável, em geral, sofrem mais com perda e falta de professores.

Visando a contribuir com essa discussão, o presente artigo, que é fruto da tese de doutoramento de Carrasqueira (2018CARRASQUEIRA, K. Fatores associados ao abandono e à mobilidade docente na rede municipal do Rio de Janeiro. 2018. Tese (Doutorado em Educação) - Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2018.), objetiva verificar fatores associados à mobilidade docente na rede municipal do Rio de Janeiro, identificando as características tanto das escolas quanto dos professores associadas à maior probabilidade da ocorrência da mobilidade docente.

Para realizar tal objetivo, foram utilizados modelos de regressões logísticas para estimar a probabilidade de professores mudarem de escola nos primeiros anos após tomarem posse na rede, considerando um vetor de características dos docentes (sexo, escolaridade e idade) e um vetor de características da primeira escola em que foram alocados (nível socioeconômico dos alunos, complexidade da gestão, Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) e número de vezes que a escola ganhou o Prêmio Anual de Desempenho).

Nesse estudo utilizaram-se, além de bases de dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), tais como Censo Escolar e Prova Brasil, informações da Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro que permitem análises mais acuradas e completas sobre o fenômeno da mobilidade docente.

O artigo está dividido em cinco partes, além desta introdução. A seguir apresenta-se o referencial teórico com estudos empíricos nacionais e internacionais que buscaram identificar fatores associados à rotatividade e mobilidade docente em diversas redes educacionais e contextos. Posteriormente são descritos as regras e os procedimentos relacionados à mobilidade praticados no município do Rio de Janeiro e aborda-se, brevemente, a política de responsabilização desenvolvida pela rede entre 2009 e 2016, por entendê-la como um fator que pode estar associado à mobilidade docente no município. Em seguida, apresenta-se a metodologia utilizada, incluindo os aspectos relacionados com as bases de dados e a seleção dos casos, e discutem-se os modelos e as análises realizadas. Os resultados encontrados sugerem que os fatores relacionados com as características das escolas, como o nível socioeconômico do alunado e o número de vezes que a escola ganhou o Prêmio Anual de Desempenho, têm grande impacto nas chances de o docente mudar de escola. Por último, são tecidas as considerações finais, indicando-se a relevância das tendências observadas para políticas educacionais, bem como possíveis desdobramentos para futuros estudos sobre mobilidade docente no contexto brasileiro.

MOBILIDADE DOCENTE: DEFINIÇÃO E FATORES ASSOCIADOS

O conceito de mobilidade docente, como coloca Cunha (2015CUNHA, M. B. Rotatividade docente na rede municipal de ensino da cidade do Rio de Janeiro. 2015. Tese (Doutorado em Educação) - Programa de Pós-Graduação em Educação, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2015., p. 18), é referente “às transferências de professores de uma escola para outra”, diferente de rotatividade docente, que diz respeito “ao fluxo de entrada e saída de professores nas escolas da rede”. Ou seja, mobilidade está relacionada com o movimento do ponto de vista do professor e rotatividade é do ponto de vista da escola. Embora tais conceitos sejam complementares, devemos ter em conta seus significados para não confundi-los.

A rotatividade docente é até certo ponto normal para todas as escolas, pois são considerados os professores que se aposentam ou, por algum motivo, entram de licença. No entanto, como pontuam Allensworth, Ponisciak e Mazzeo (2009ALLENSWORTH, E.; PONISCIAK, S.; MAZZEO, C. The schools teachers leave: mobility in Chicago public schools. Research Report. Consortium on Chicago School Research at the University of Chicago Urban Education Institute. Chicago, 2009.), a rotatividade, quando é muito alta, pode gerar problemas de organização para a escola, podendo, inclusive, prejudicar o trabalho pedagógico pela falta de consolidação do corpo docente durante o ano letivo. Se escolas que atendem a um público específico apresentam maior rotatividade do que outras, essa variação pode acarretar desigualdades de oportunidades de aprendizagem entre as escolas da rede (CLOTFELTER; LADD; VIDGOR, 2010CLOTFELTER, C. T.; LADD, H. F.; VIGDOR, J. L. Teacher mobility, school segregation and pay-based policies to level the playing field. Washington, DC: National Center for Analysis of Longitudinal Data in Education Research, 2010. (Working Paper, 44). Available at: https://caldercenter.org/sites/default/files/CALDERWorkPaper_44.pdf. Access on: Aug. 26, 2018.
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).

Estudos realizados em diversos contextos, em especial nos EUA, indicam que as características das escolas são os fatores de maior impacto na mobilidade docente. Em geral, as escolas que sofrem mais com rotatividade situam-se em regiões de maior vulnerabilidade, sendo compostas majoritariamente por alunos de minorias étnicas e com baixo desempenho (BOYD et al., 2008BOYD, D. et al. Who leaves? Teacher attrition and student achievement. Cambridge: National Bureau of Economic Research, 2008. (NBER Working Paper, 14022). Available at: http://www.nber.org/papers/w14022. Access on: May 8, 2018.
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; WEST; CHINGOS, 2009WEST, M. R.; CHINGOS, M. M. Teacher effectiveness, mobility and attrition in Florida. In: SPRINGER, M. G. (ed.). Performance incentives: their growing impact on American K-12 education. Washington, DC: Brookings Institution Press, 2009.; CLOTFELTER; LADD; VIDGOR, 2010CLOTFELTER, C. T.; LADD, H. F.; VIGDOR, J. L. Teacher mobility, school segregation and pay-based policies to level the playing field. Washington, DC: National Center for Analysis of Longitudinal Data in Education Research, 2010. (Working Paper, 44). Available at: https://caldercenter.org/sites/default/files/CALDERWorkPaper_44.pdf. Access on: Aug. 26, 2018.
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).

Allensworth, Ponisciak e Mazzeo (2009ALLENSWORTH, E.; PONISCIAK, S.; MAZZEO, C. The schools teachers leave: mobility in Chicago public schools. Research Report. Consortium on Chicago School Research at the University of Chicago Urban Education Institute. Chicago, 2009.) investigaram na rede pública de Chicago, além de fatores relacionados ao corpo discente, características dos docentes, das escolas e da comunidade onde a escola está inserida. Mas o que essa pesquisa realmente trouxe de novo foi a análise sobre o impacto do clima escolar na mobilidade docente.

Segundo os autores, o clima escolar sozinho explica mais a variação das taxas de mobilidade docente do que as características do corpo discente. Controlando pelas características dos alunos e dos professores, um bom clima escolar é capaz de aumentar a taxa de estabilidade em até 6%. Por fim, eles afirmam que os fatores que melhor predizem estabilidade estão relacionados com condições de trabalho em que o professor tenha controle da sua prática e um ambiente de apoio e cooperação.

Outros estudos indicam o possível impacto das pressões de políticas de responsabilização escolar sobre o padrão da mobilidade docente (LADD, 2001LADD, H. F. School-based educational accountability systems: the promise and the pitfalls. National Tax Journal, v. 54, n. 2, p. 385-400, June 2001.; FENG; FIGLIO; SASS, 2010FENG, L.; FIGLIO, D. N.; SASS, T. School accountability and teacher mobility. Cambridge: National Bureau of Economic Research, 2010. (NBER Working Paper, 16070). Available at: http://www.nber.org/papers/w16070. Access on: May 8, 2018.
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; CLOTFELTER et al., 2004CLOTFELTER et al. Do school accountability systems make it more difficult for low-performing schools to attract and retain high-quality teachers? Journal of Policy Analysis and Management, v. 23, n. 2, p. 251-271, spring 2004.), em especial em contextos em que as metas estabelecidas não levam em conta características dos alunos e não utilizam medidas de valor agregado (LADD, 2001). Por exemplo, Feng, Figlio e Sass (2010FENG, L.; FIGLIO, D. N.; SASS, T. School accountability and teacher mobility. Cambridge: National Bureau of Economic Research, 2010. (NBER Working Paper, 16070). Available at: http://www.nber.org/papers/w16070. Access on: May 8, 2018.
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) verificaram o impacto da mudança da política de accountability na Flórida. Neste Estado norte-americano, houve uma alteração no cálculo dos resultados das escolas, o que levou um número considerável de escolas a obter notas diferentes do que esperavam, considerando o cálculo anterior. Os autores observaram que as escolas que tiveram uma qualificação pior em relação ao que era esperado apresentaram maior rotatividade se comparadas com as escolas que não mudaram de qualificação e com as que tiveram uma qualificação melhor em relação ao que era esperado. O estudo não investigou outras características das escolas.

No Brasil, estudos preliminares (TORRES et al., 2008TORRES, H. D. G. et al. Educação na periferia de São Paulo: ou como pensar as desigualdades educacionais? In: RIBEIRO, L. C. D. Q.; KAZTMAN, R. A cidade contra e escola? Segregação urbana e desigualdades educacionais em grandes cidades da América Latina. Rio de Janeiro: Letra Capital, Faperj; Montevideo: Ippes, 2008. p. 59-90.; DUARTE, 2009DUARTE, R. G. Os determinantes da rotatividade dos professores no Brasil: uma análise com base nos dados do SAEB 2003. 2009. Dissertação (Mestrado em Economia) - Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, 2009.; ALVES et al., 2013ALVES, M. T. G.; SOARES, F. F. Contexto escolar e indicadores educacionais: condições desiguais para a efetivação de uma política de avaliação educacional. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 39, n. 1, p. 177-194, jan./mar. 2013.; CUNHA, 2015CUNHA, M. B. Rotatividade docente na rede municipal de ensino da cidade do Rio de Janeiro. 2015. Tese (Doutorado em Educação) - Programa de Pós-Graduação em Educação, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2015.) indicam que a distribuição de professores é similar à observada nos estudos internacionais (LUSCHEI; CHUDGAR; REW, 2013LUSCHEI, T. F.; CHUDGAR, A.; REW, W. J. Exploring differences in the distribution of teacher qualifications across Mexico and South Korea: evidence from the Teaching and Learning International Survey. Teachers College Record, v. 115, n. 5, May 2013.). Professores mais qualificados e experientes se concentram em escolas com alunos de perfil mais favorável, perpetuando e aumentando a desigualdade.

Em artigo teórico, Oliveira et al. (2013OLIVEIRA, R. P. et al. Análise das desigualdades intraescolares no Brasil. Estudos & Pesquisas Educacionais, São Paulo, n. 4, p. 20-112, 2013. Available at: https://fvc.org.br/especiais/estudos-e-pesquisas/. Access on: May 8, 2018.
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, p. 72) discutem a questão da mobilidade docente e apontam que, no Brasil, “é possível verificar em diversas redes um movimento sistemático de professores da periferia (no início da carreira) para o centro”. Torres et al. (2008TORRES, H. D. G. et al. Educação na periferia de São Paulo: ou como pensar as desigualdades educacionais? In: RIBEIRO, L. C. D. Q.; KAZTMAN, R. A cidade contra e escola? Segregação urbana e desigualdades educacionais em grandes cidades da América Latina. Rio de Janeiro: Letra Capital, Faperj; Montevideo: Ippes, 2008. p. 59-90.), ao pesquisarem sobre segregação espacial e desigualdade educacional na cidade de São Paulo, encontraram um padrão que corrobora as hipóteses de Oliveira et al. (2013), observando que as escolas das periferias eram as que concentravam mais professores não concursados (ou seja, com menos estabilidade e substitutos) e maiores índices de rotatividade docente.

Torres et al. (2008TORRES, H. D. G. et al. Educação na periferia de São Paulo: ou como pensar as desigualdades educacionais? In: RIBEIRO, L. C. D. Q.; KAZTMAN, R. A cidade contra e escola? Segregação urbana e desigualdades educacionais em grandes cidades da América Latina. Rio de Janeiro: Letra Capital, Faperj; Montevideo: Ippes, 2008. p. 59-90.) identificaram uma regulamentação que facilitaria esse padrão de mobilidade docente e explicaria parte da desigualdade encontrada entre escolas centrais e periféricas. Na entrada na rede, os docentes são alocados, conforme sua preferência, de acordo com sua pontuação no concurso. Já dentro da rede, para a remoção dos docentes, é considerada uma ordem de classificação, cujos critérios levam em conta o tempo de serviço e a formação do professor.

Na tentativa de observar um pouco mais a fundo essa questão, Alves et al. (2013ALVES, M. T. G.; SOARES, F. F. Contexto escolar e indicadores educacionais: condições desiguais para a efetivação de uma política de avaliação educacional. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 39, n. 1, p. 177-194, jan./mar. 2013.) realizaram um estudo exploratório para verificar como a mobilidade docente está relacionada com desigualdades socioespaciais, mediada pelos critérios do concurso de remoção da cidade de São Paulo.

Para analisar a mobilidade em uma subprefeitura de São Paulo, os autores classificaram as escolas pela composição sociocultural do alunado e pela vulnerabilidade do entorno, e verificaram a classificação dos professores nos concursos de remoção. Eles observaram que a subprefeitura em questão, que fica em região periférica da cidade, perde mais professores para as outras subprefeituras da cidade. E os professores que vão para a subprefeitura pesquisada por concurso de remoção são, em sua maioria, os piores colocados e, ainda assim, tentam escolher escolas com entorno menos vulnerável e alunado com nível sociocultural mais elevado. Os autores também constataram que a maioria dos professores que se movimentaram entre as escolas da subprefeitura, no período pesquisado (2006-2011), tinha como destino aquelas de menor vulnerabilidade social e com alunado com maiores recursos culturais.

Duarte (2009DUARTE, R. G. Os determinantes da rotatividade dos professores no Brasil: uma análise com base nos dados do SAEB 2003. 2009. Dissertação (Mestrado em Economia) - Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, 2009.), em sua dissertação, pesquisou os fatores relacionados à rotatividade docente no Brasil a partir dos dados do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) de 2003, para as três séries avaliadas (4ª e 8ª séries do ensino fundamental e 3ª série do ensino médio). O autor verificou que o aumento de alunos brancos diminui a probabilidade de a turma mudar de professor durante o ano letivo. Além disso, a violência também foi um fator que mostrou influenciar a decisão do professor de mudar de escola. O estudo considerou o número de professores, de matemática e língua portuguesa, que uma turma teve durante o ano letivo como indicador de mudança de professor. No entanto, essa variável pode apenas indicar que uma turma tinha mais de um professor para cada disciplina e, portanto, superestimar o fenômeno foco do estudo. Além disso, os dados utilizados não possibilitavam a distinção entre turmas que tinham mais de um professor, mudança de escola, saída da rede, licença e falta de professor.

Cunha (2015CUNHA, M. B. Rotatividade docente na rede municipal de ensino da cidade do Rio de Janeiro. 2015. Tese (Doutorado em Educação) - Programa de Pós-Graduação em Educação, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2015.) analisou a rotatividade docente no município do Rio de Janeiro. O objetivo da autora foi verificar as características dos docentes associadas à mobilidade e as características das escolas, em especial da composição do alunado, relacionadas à rotatividade docente. O estudo traz algumas análises descritivas, bivariadas e regressões lineares, que fornecem indicações importantes sobre a rede municipal do Rio de Janeiro, apesar dos problemas metodológicos enfrentados pela autora, como calcular a taxa de rotatividade das escolas apenas para os professores que ingressaram na rede entre 2002 e 2012, ignorando os mais antigos.

Assim, os estudos em vários países, incluindo o Brasil, indicam que os fatores relacionados com a escola - composição do corpo discente, localização e clima escolar - são os preditores de maior impacto para a mobilidade. Nos sistemas em que o professor tem papel ativo sobre sua mudança, as desigualdades entre as escolas que atendem a alunados de nível socioeconômico (NSE) mais baixo e mais alto são significativas. As escolas de NSE mais baixo apresentam maior rotatividade docente, já que os professores tendem a migrar para escolas com NSE mais alto. Estas tendências podem ser ainda mais fortes na presença de pressões decorrentes de medidas de responsabilização escolar com desenhos menos sofisticados, que não levam em conta características que as escolas não podem modificar, tais como composição do alunado e tamanho da escola. No entanto, mesmo com a proliferação de políticas de responsabilização escolar, não encontramos estudos do contexto brasileiro que tragam evidências empíricas sobre a relação entre as pressões de responsabilização e os padrões da mobilidade docente.

REGRAS DE MOBILIDADE E PRESSÕES DE ACCOUNTABILITY NO MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO

Os padrões da mobilidade dos docentes entre as escolas da rede municipal do Rio de Janeiro podem ocorrer a partir de dois caminhos: os concursos de remoção, que são regulamentados por editais específicos; e quando o professor é cedido de sua lotação de origem para outra lotação.

Na remoção, o docente muda a sua lotação de origem e, por isso, há editais próprios. Existem duas modalidades de remoção: a intraCRE, ou seja, entre as escolas de uma mesma Coordenadoria Regional de Educação (CRE); e a interCRE, quando o docente muda de Coordenadoria. Essas migrações são realizadas por meio de concursos anuais, nos quais os docentes interessados em mudar de lotação de origem se inscrevem. Para se inscrever em um concurso de remoção, o docente deve estar a pelo menos cinco anos na rede (com a matrícula que pretende a remoção), sendo que a mudança de lotação ocorre depois do final do ano letivo (CARRASQUEIRA, 2018CARRASQUEIRA, K. Fatores associados ao abandono e à mobilidade docente na rede municipal do Rio de Janeiro. 2018. Tese (Doutorado em Educação) - Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2018.).

Os editais indicam que o critério de classificação é estipulado pela Coordenação de Recursos Humanos. Segundo a Portaria E/SUBG/CRH n. 2 de 26 de novembro de 2014 (que é similar às dos anos subsequentes), o principal critério de classificação é o “tempo de efetivo exercício, em dias, no cargo atual” (RIO DE JANEIRO, 2014, p. 2). Por ordem de classificação, os docentes são chamados à CRE e escolhem em qual unidade escolar querem ser lotados, dentre aquelas que estão com vagas disponíveis. Isso significa que os docentes mais antigos, ou mais experientes no cargo, são os que primeiro escolhem, ficando para os docentes menos experientes as escolas restantes.

Não há, nas resoluções ou portarias, indicação de quantos anos seguidos o docente pode concorrer no concurso e nem se ele deve cumprir um período mínimo de permanência na nova lotação antes de se candidatar a novo concurso de remoção.

O outro caminho é a cessão, que na prática é muito difundida na rede e alguns professores já são cedidos no momento da posse. O docente cedido é aquele que pertence a uma lotação, mas está trabalhando em outra. Ou seja, é como se ele estivesse emprestado. Não há um período mínimo ou máximo para o professor ficar na escola onde está emprestado, e nem um limite de vezes em que o docente pode ser cedido. Além disso, o docente pode ser cedido para qualquer escola da rede, mesmo que seja em uma CRE diferente da sua origem.

Segundo informações de funcionários que trabalham no setor de Recursos Humanos da Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro (SME-RJ), é o professor que entra com pedido para ser cedido. Isto é, parece que o docente é o agente principal e muda de lotação apenas por sua vontade. Mas na prática, e isso mereceria um estudo qualitativo aprofundado, a gestão da escola pode sugerir que o professor seja transferido para outra escola. Por exemplo, um docente que volta de licença pode ser cedido quando sua colocação na escola de origem está ocupada, ou um docente que foi designado para uma escola pode ser cedido quando professores mais antigos voltam de suas licenças.

Não existe diretriz específica da SME-RJ sobre essa questão, pois é um procedimento interno de autorização de movimentação de pessoal. Segundo uma funcionária da Secretaria, como se trata de um procedimento que só depende da autorização da lotação de origem e de uma vaga ociosa no destino, nunca foi publicado em Diário Oficial um documento legal que regulamentasse estas movimentações.

Há uma menção à cessão nas resoluções que abordam a remoção interCRE, estipulando que os professores que foram beneficiados com a cessão entre CREs no ano vigente deverão participar da remoção interCRE, que valerá para o ano seguinte, sob pena de retornarem para sua CRE de origem (CARRASQUEIRA, 2018CARRASQUEIRA, K. Fatores associados ao abandono e à mobilidade docente na rede municipal do Rio de Janeiro. 2018. Tese (Doutorado em Educação) - Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2018.). Mas essa obrigatoriedade só vale para os docentes cuja data da posse permitir se inscrever no concurso. As resoluções não mencionam o que acontece com os docentes que ainda não podem participar.

A ausência de regulamentação para a cessão implica algo interessante para nós: as regras não induzem a um padrão de movimentação específico, ao contrário do concurso de remoção, em que esperamos que os docentes com mais anos na rede (que em muitos casos devem ser mais velhos e mais experientes) alcancem escolas com perfil mais favorável. É importante ressaltar que o docente não tem a opção de ir para qualquer escola que desejar, pois sua escolha é limitada pela existência de vagas ociosas na escola de destino. No entanto, não contamos com informações sobre as condições para o pedido de cessão.

No que diz respeito às pressões de responsabilização que podem impactar os padrões de mobilidade docente, em 2009, a Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro adotou uma política de responsabilização escolar que tinha os seguintes suportes: uma avaliação anual e censitária, a Prova Rio; o índice de desenvolvimento da educação do Rio de Janeiro baseado no Ideb, o IDERio; e uma bonificação para escolas atrelada ao cumprimento de metas de desempenho, o Prêmio Anual de Desempenho (PAD) (CARRASQUEIRA, 2013CARRASQUEIRA, K. A política de responsabilização educacional do município do Rio de Janeiro. 2013. Dissertação (Mestrado em Educação) - Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2013.). Em 2016, essa política foi descontinuada.

A formulação das metas variou ao longo dos anos, mas sempre seguiu o mesmo princípio. As escolas eram separadas por faixas correspondentes a seu Ideb ou IDERio e as escolas em cada faixa tinham uma meta de acréscimo a ser cumprida, sendo que quanto mais alto o índice, menor era a meta de acréscimo. Isso porque subentendia-se que seria mais difícil aumentar um índice que já está perto do teto (CARRASQUEIRA, 2013CARRASQUEIRA, K. A política de responsabilização educacional do município do Rio de Janeiro. 2013. Dissertação (Mestrado em Educação) - Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2013.). O prêmio bonificava com um 14º salário todos os servidores em atividade lotados nas escolas que alcançavam a meta.

Políticas de responsabilização ainda geram muitas controvérsias quanto ao seu real impacto na aprendizagem dos alunos e nas práticas escolares (LADD, 2001LADD, H. F. School-based educational accountability systems: the promise and the pitfalls. National Tax Journal, v. 54, n. 2, p. 385-400, June 2001.). Acredita-se que os incentivos da bonificação podem gerar mudanças nas práticas do professor e, por consequência, impactar o desempenho dos alunos. No entanto, como muitas pesquisas mostram, essa premissa pode não funcionar de acordo com o modelo implantado ou ainda causar efeitos perversos e não esperados pelos formuladores das políticas (PONTUAL, 2008PONTUAL, T. C. Remuneração por mérito, desafio para a educação. São Paulo: Fundação Lemann, 2008. (Estudo comissionado).).

A política do município do Rio de Janeiro não tem nenhum tipo de controle de características socioeconômicas do seu corpo discente, o que pode gerar certo sentimento de injustiça por parte de gestores e professores (LADD, 2001LADD, H. F. School-based educational accountability systems: the promise and the pitfalls. National Tax Journal, v. 54, n. 2, p. 385-400, June 2001.; CARRASQUEIRA, 2013CARRASQUEIRA, K. A política de responsabilização educacional do município do Rio de Janeiro. 2013. Dissertação (Mestrado em Educação) - Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2013.; KOSLINSKI; CUNHA; ANDRADE, 2014KOSLINSKI, M. C.; CUNHA, C. P.; ANDRADE, F. M. Accountability escolar: um estudo exploratório do perfil das escolas premiadas. Estudos em Avaliação Educacional, São Paulo, v. 25, n. 59, p. 108-137, set./dez. 2014.), bem como não possui incentivos diretos para a equidade, o que pode manter práticas que perpetuem as desigualdades.

Além disso, a responsabilização pode apresentar um impacto na mobilidade, pois, por um lado, poderia incentivar bons docentes a permanecerem em escolas de baixo desempenho que tenham possibilidade de atingir sua meta e, por outro, poderia incentivar os docentes a migrarem de escolas que não têm chance de ganhar o prêmio para outras com mais chances. Isso aconteceria porque, segundo Ladd (2001LADD, H. F. School-based educational accountability systems: the promise and the pitfalls. National Tax Journal, v. 54, n. 2, p. 385-400, June 2001.), quando a política de responsabilização tem o foco na escola, mas não leva em conta se a escola tem condições - materiais, sociais e de recursos humanos - reais de alcançar sua meta, pode ocorrer uma sensação de injustiça nos professores eficazes. Tais docentes procurariam escolas em que seu trabalho fosse valorizado e os docentes pouco eficazes, por sua vez, buscariam escolas onde pudessem se beneficiar da eficácia dos colegas (efeito carona).

ASPECTOS METODOLÓGICOS

Para esse estudo foram realizadas análises multivariadas que utilizaram modelos de regressão logística para estimar a variável dependente da mobilidade docente (variável dicotômica que expressa se o docente mudou ou não de escola durante o período analisado). As análises tomam como referência a primeira escola em que o docente estava lotado. As variáveis independentes consideradas nos modelos abrangem características tanto dos docentes (sexo, escolaridade e idade) como das escolas (índice de nível socioeconômico, índice de complexidade da gestão, número de vezes que ganhou o Prêmio Anual de Desempenho e Ideb).

A regressão logística é o método mais utilizado para modelos com variável dependente dicotômica (POWER; XIE, 2000POWER, D. A.; XIE, Y. Statistical methods for categorical data analysis. London: Academic Press, 2000.; VOGT, 2007VOGT, W. P. Quantitative research method for professionals. Boston: Pearson Education, 2007.). A ideia base é a dicotomia entre “sucesso” e “fracasso”. Nesse sentido, o modelo estima a probabilidade de sucesso, em nosso caso expresso pelo docente ter mudado de escola. No geral ela funciona como uma regressão linear simples (OLS) que informa o impacto das variáveis independentes na variável dependente (VOGT, 2007). A grande diferença é que essa resposta é no logaritmo da chance, sendo então necessária uma conversão (calcular o log natural por meio do exponencial) para obter as chances de o evento acontecer e do evento não acontecer para diferentes grupos (POWER; XIE, 2000). De forma prática, o que temos como resultado da regressão logística é a chance de o professor mudar de escola comparado com não mudar de escola, considerando cada uma das variáveis independentes do modelo.

Para as variáveis independentes categóricas, o resultado já é a razão de chance. Ou seja, já representa a razão entre as chances de dois grupos (por exemplo, a razão das chances de mudar de escola entre quem tem ensino superior e quem tem ensino médio). Quando as variáveis são numéricas, o resultado representa quanto o aumento de uma unidade da variável aumenta (se a chance for maior que 1) ou diminui (se a chance for menor que 1) a chance de o evento acontecer.

Os docentes selecionados entraram na rede municipal do Rio de Janeiro em 2009, 2010 e 2011. Essa escolha deveu-se ao início da política de responsabilização do município, em 2009. Além disso, queríamos poder acompanhar os docentes por pelo menos cinco anos e estipulamos como data limite o ano de 2016.

É importante ressaltar que, dada a limitação dos dados, os docentes selecionados estavam ativos na rede no início de janeiro de 2012. Isso significa que os docentes que abandonaram a rede antes dessa data não puderam ser observados.

Com essa seleção, o universo da análise continha 3.594 professores, cuja data da posse correspondia à data de início da primeira lotação (duas professoras foram retiradas da coorte pois a data de início era 2008). Esses professores estiveram lotados em 1.165 unidades escolares (e 40 cargos administrativos) diferentes durante o período de acompanhamento.

Os dados utilizados neste trabalho foram obtidos em diversas bases cedidas pela SME-RJ - Sistema de Gestão Administrativa (SGA), Coordenação de Recursos Humanos (CRH) e Prova Rio - e no portal do Inep - Prova Brasil e Censo Escolar.

Os dados provenientes da SME-RJ foram solicitados em diversos momentos e têm métodos de coleta e usos distintos. Os dados da Prova Rio possuem uma finalidade diagnóstica e, nesse caso, estão organizados de forma mais adequada para usos em pesquisas. Já os dados do SGA e da CRH são administrativos. Os primeiros são cadastros e atualizações anuais dos alunos - mudanças de escolas ou de turma, notas bimestrais, etc. - e as bases da CRH são cadastros e atualizações de docentes com as finalidades principais de folha de pagamento e organização da rede.

Foram utilizadas essas bases de dados da SME-RJ porque nenhuma outra fornecia a data de posse dos docentes, a data em que mudaram de escola e a data em que saíram da rede. Por exemplo, os dados do Inep não abrangem mobilidade e abandono. Além disso, as bases da SME-RJ com dados dos alunos trazem informações demográficas e socioeconômicas com menos dados faltantes do que as do Inep.

DISCUSSÃO E ANÁLISE DOS DADOS

A análise da mobilidade tem fatores de complexidade inerentes ao funcionamento do sistema educacional, pois tal movimento pode estar relacionado com a vontade do docente em ir para outra escola, mas pode também ser fruto de falta de vaga na escola de origem ao voltar de uma licença ou na primeira lotação. O Quadro 1 apresenta as variáveis utilizadas nas análises de mobilidade neste trabalho, bem como as fontes dos dados.

QUADRO 1 RESUMO DAS VARIÁVEIS DA ANÁLISE DE MOBILIDADE DOCENTE

Outra questão que torna complexa a tarefa de observar a mobilidade é o fato de os professores poderem realizar várias mudanças de lotação durante a sua carreira. No caso da nossa coorte, como mostra a Tabela 1, quase dois terços (2.223) dos docentes realizaram ao menos uma mudança de lotação, durante o período estudado, e 31% estavam na mesma escola em que foram lotados no momento da posse e não fizeram nenhuma mudança de escola ao longo dos oito anos de observação, isto é, nem saíram da rede e nem mudaram de escola.

TABELA 1 DISTRIBUIÇÃO DE FREQUÊNCIA DA VARIÁVEL DEPENDENTE

Durante os oito anos de acompanhamento, observamos 5.264 mudanças de lotação, o que equivale, em média, a 2,4 migrações por professor que realizou a mobilidade. Se considerarmos o total de docentes da coorte (incluindo os que não fizeram nenhuma mudança), a média é de 1,3 migração por professor.

O Gráfico 1 indica a proporção de professores segundo o número de vezes que mudaram de lotação durante o período analisado. Verificamos que 25,7% dos professores que realizaram mudança o fizeram uma única vez. Na outra ponta, cerca de 6,4% desses docentes passaram por cinco ou mais mudanças de lotação. Considerando apenas os docentes que realizaram pelo menos uma mudança no período estudado, constata-se que metade (49,5%) realizou entre 2 e 4 migrações.

GRÁFICO 1 PROPORÇÃO DE DOCENTES, SEGUNDO O NÚMERO DE MUDANÇAS NO PERÍODO DE ACOMPANHAMENTO

O Gráfico 2 mostra a proporção de docentes que mudaram de escola por ano, entre 2009 e 2016, controlando pelo ano da posse. Como a coorte estudada contém docentes que migraram mais de uma vez no período, a soma das porcentagens não é igual a 100%. Observamos que a proporção de docentes que mudaram de lotação no ano que entraram na rede é parecido para os anos de posse diferentes. Da mesma forma, olhando para cada ano de acompanhamento, as variações com relação ao ano da posse são menores do que as variações entre um ano e outro.

GRÁFICO 2 PROPORÇÃO DE DOCENTES QUE REALIZARAM MUDANÇA DE LOTAÇÃO POR ANO, CONTROLANDO PELO ANO DA POSSE

Vale ressaltar que os professores da nossa coorte só puderam participar de concursos de remoção a partir do ano letivo de 2015, sendo que os docentes que tomaram posse em 2011 só puderam participar a partir de 2017 e, portanto, não poderiam ter mudado de escola por meio de concurso de remoção no período analisado. O aumento da mobilidade em 2015 foi grande para os grupos, independentemente da data de posse. Em 2016 houve uma queda, também independentemente do ano de entrada na rede. Assim, o padrão de mobilidade docente observado nas análises está mais associado com cessões do que com concursos de remoção e, em alguns casos que não temos como identificar, com licenças.

As tabelas 2 e 3 apresentam as estatísticas descritivas das variáveis independentes de características dos docentes e das escolas.

Com relação ao sexo, podemos observar que nossa coorte é majoritariamente feminina, sendo que quatro docentes não tiveram o sexo identificado. Por estarmos trabalhando com professores do primeiro segmento, o baixo número de docentes do sexo masculino já era esperado. Ainda hoje são poucos os homens que optam por curso médio normal ou curso superior de pedagogia, formações que habilitam o profissional a lecionar na educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental (JAEGER; JACQUES, 2017JAEGER, A. A.; JACQUES, K. Masculinidades e docência na educação infantil. Estudos Feministas, Florianópolis, v. 25, n. 2, p. 545-570, maio/ago. 2017.). Segundo o Censo Escolar de 2016, os homens representavam apenas 10% dos docentes de primeiro segmento e educação infantil da SME-RJ.

TABELA 2 ESTATÍSTICAS DESCRITIVAS DAS VARIÁVEIS INDEPENDENTES UTILIZADAS NOS MODELOS DE REGRESSÃO LOGÍSTICA QUE SE REFEREM ÀS CARACTERÍSTICAS DOS DOCENTES

Considerando a escolaridade, 69% dos professores da coorte possuíam ensino superior completo no momento da posse, sendo que 17% tinham concluído algum curso de pós-graduação (stricto ou lato sensu) e cerca de 31% possuíam apenas o ensino médio completo. Utilizamos essa variável como dicotômica porque a diferença entre a categoria pós-graduação e a ensino superior não era estatisticamente significativa em todas as análises.

A idade foi uma variável construída a partir da data de nascimento no momento da posse. Para 371 professores essa informação não foi encontrada. Os docentes com até 39 anos representam cerca de 71% da coorte (sendo que 34% tinham até 29 anos).

O Ideb é uma variável numérica contínua que indica o índice de desenvolvimento da educação básica para o primeiro segmento. Usamos exatamente os resultados divulgados pelo Inep para 2009, 2011, 2013 e 2015. Para os anos que não têm avaliação, indicamos a nota do ano anterior. Por exemplo, para 2016 a nota de referência é a de 2015. Ressaltamos que muitas unidades escolares em que os docentes da nossa coorte lecionaram não participam desta avaliação por não oferecerem a série avaliada (para o primeiro segmento, que é o resultado que estamos utilizando, a série avaliada é o 5º ano).

TABELA 3 ESTATÍSTICAS DESCRITIVAS DAS VARIÁVEIS INDEPENDENTES DAS CARACTERÍSTICAS DA PRIMEIRA ESCOLA

O impacto do Prêmio Anual de Desempenho (PAD) é observado a partir de uma variável que indica o número de vezes que a escola recebeu o PAD até o ano em que o docente migrou de escola. Para os professores que não mudaram de escola, o ano de referência é 2016, último ano analisado.

Essa variável pretende captar o impacto da política de responsabilização escolar, uma vez que, como argumentado por Ladd (2001LADD, H. F. School-based educational accountability systems: the promise and the pitfalls. National Tax Journal, v. 54, n. 2, p. 385-400, June 2001.), políticas de responsabilização que não fazem um controle socioeconômico, além de potencialmente gerarem um sentimento de injustiça nos professores, acarretam um aumento das desigualdades entre as escolas. Segundo a autora, os docentes tenderiam a migrar para escolas com maiores chances de ganhar bonificação, maximizando assim seus ganhos financeiros (fator financeiro) e desassociando sua imagem das escolas com baixo desempenho (fator social).

O índice de nível socioeconômico (Inse) é um indicador construído com informações do Banco de Alunos do SGA de 2009 a 2013 para estabelecer o nível socioeconômico do alunado atendido pela escola. Foram utilizadas as variáveis que indicavam a escolaridade dos pais, a cor dos alunos e o número de inscrição social (NIS) do responsável e dos alunos. Com a proporção dessas variáveis por escola, foi realizada uma análise fatorial que gerou este índice.

O índice de complexidade da gestão (ICG) foi inspirado no índice criado pelo Inep, mas com modificações que consideravam as particularidades da rede e do nível de ensino que estamos estudando (INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO TEIXEIRA - INEP, 2014). Foram utilizados os microdados do Censo Escolar entre 2009 e 2016. Para criar esse indicador foram consideradas as variáveis porte da escola, medido a partir do número de matrículas, quantidade de etapas e modalidades de ensino da escola e número de turnos em que a escola funciona. Assim como no índice de nível socioeconômico, foi realizada uma análise fatorial, cujo resultado é o índice de complexidade da gestão.

Para o Inep, este índice busca contextualizar a oferta educacional, levando em conta fatores que impactam na forma em que a escola é gerida (INEP, 2014). Para nós, essa variável indica níveis de desafios enfrentados pelas escolas. Partimos do pressuposto de que os professores desejam lecionar em escolas com menor complexidade.

Todas as variáveis foram arrumadas para corresponderem ao ano de entrada e ao ano de saída de cada lotação. Essa decisão foi tomada porque professores podem mudar de uma mesma escola em anos diferentes, e os indicadores variam com o tempo. Se um professor muda de escola em 2015, por exemplo, é melhor comparar com os indicadores referentes a 2015 do que com aqueles relativos a 2009, inclusive porque muitas escolas ainda não existiam em 2009 e outras tantas passaram por uma reestruturação, deixando de oferecer turma do 1º segmento, o que afeta seus indicadores. Para as escolas de onde os professores não saíram até o final do acompanhamento, a referência do ano de saída foi 2016.

A Tabela 4 apresenta os resultados das regressões logísticas realizadas utilizando as variáveis anteriormente apresentadas. Foi empregado o método de inserção em três blocos: o primeiro com as características dos docentes; o segundo, com acréscimo das características das escolas sem o Ideb; e o terceiro com todas as variáveis. O Ideb só foi inserido no último modelo, uma vez que diversas escolas não possuem o indicador e, portanto, as análises que incluem esta variável apresentam uma considerável perda de casos.

O modelo 1 inclui apenas as variáveis de características dos docentes. Sexo e escolaridade não permaneceram estatisticamente significativas no modelo multivariado. A idade do docente, por sua vez, mostrou uma associação significativa, indicando que, quanto mais velho, menores são as chances de o docente realizar uma mudança de lotação. Assim, como o aumento da idade representa uma diminuição da chance de sair, subtraímos 0,977 de 1 e encontramos que cada ano da idade reduz em cerca de 0,2 ou 2% a chance de o docente mudar de escola. Esse resultado se mantém constante para os modelos 3 e 4.

TABELA 4 ESTIMATIVAS (E CHANCES) DOS QUATRO MODELOS DE REGRESSÃO LOGÍSTICA PRODUZIDOS PARA ESTIMAR A PROBABILIDADE DE O DOCENTE MUDAR DE ESCOLA

O modelo 2 inclui apenas as variáveis de características da escola sem o Ideb. O Inse negativo indica que o aumento de um ponto no nível socioeconômico da escola diminui em 32% a chance de o docente mudar de lotação. O número de vezes que a escola ganhou o PAD foi significativo e está associado à diminuição da chance de os professores mudarem de lotação. Nesse caso, cada PAD diminuiria em 55% a chance de mudança de lotação.

O ICG apresentou o mesmo padrão, mostrando que, quanto mais alta a complexidade, menor é a chance de o docente mudar de escola, em uma relação que indica que o aumento de um ponto no ICG da escola reduz em cerca de 13% a chance de o docente migrar. A explicação possível para esse resultado se encontra na reestruturação da rede. Escolas que perderam turmas para se adequar a ter apenas um segmento podem ter ficado com mais docentes ociosos, que foram cedidos para outras escolas, enquanto aquelas mais complexas mantiveram todas as suas turmas e não tiveram que ceder seus docentes.

O modelo 3 traz as variáveis de características dos docentes e das escolas, ainda sem o Ideb. As características docentes se comportam da mesma forma que no modelo 1, sendo que, novamente, apenas a idade é estatisticamente significativa. Também as características das escolas apresentam associações na mesma direção do modelo 2, com pouca variação nos seus betas: o aumento de um ponto do Inse diminui em 32% a chance de mudança de escola; o acréscimo de um ponto no ICG reduz em 15% a chance de migração; e cada PAD ganho pela escola diminui em 55% a chance de o docente mudar de escola.

O último modelo (modelo 4) inclui o Ideb das escolas de origem/primeira lotação dos professores. Como nos modelos anteriores, a única característica do docente significativa é a idade, indicando que, para cada ano de idade acrescido, a chance de o docente mudar de escola cai 2%.

Outra forma mais intuitiva de interpretar os resultados é trabalhar com probabilidades preditas de indivíduos típicos, estimadas pelo modelo. Para o cálculo das probabilidades preditas, a característica de interesse varia em seus valores, enquanto as outras características foram mantidas constantes - variáveis categóricas fixas em suas medianas e as variáveis contínuas fixas em suas médias. Neste trabalho, o cálculo das probabilidades teve como base o resultado do modelo 4. Com a aplicação da orientação acima, podemos comparar as probabilidades de o docente mudar de escola de acordo com a variação de uma característica.

Observamos, então, a mudança das probabilidades de mobilidade docente preditas pelo modelo para professores com diferentes idades. Comparando docentes com idades de 20 anos, 30 anos, 40 anos e 50 anos, as probabilidades preditas de mudar de escola são, respectivamente, de 80%, 76%, 71% e 65%. Assim, controlando as outras variáveis, verifica-se que docentes mais novos têm uma probabilidade muito maior de mudar de escola do que os mais velhos.

O Inse indica que o aumento de 1 ponto no nível socioeconômico da escola faz com que a chance de o docente mudar de escola seja cerca de 37% menor do que não mudar. De forma similar à idade, calculamos as probabilidades preditas pelo modelo para docentes em escolas de diferentes NSE, mantendo as demais variáveis constantes. De acordo com o modelo estimado (modelo 4), os docentes que estão em escolas com Inse 1 desvio padrão acima da média têm 65% de probabilidade de mudar de escola, enquanto aqueles alocados em escolas com Inse 1 desvio padrão abaixo da média têm 80% de probabilidade de migração.

O ICG é significativo nos dois modelos, mas seu beta variou muito entre os modelos 3 e 4, indicando que o aumento de 1 ponto no índice de complexidade da gestão diminuiu entre 25% e 15% a chance de o docente mudar de lotação. Observando mais uma vez as probabilidades preditas, docentes em escolas cujo ICG estava 1 desvio padrão acima da média teriam 68% de probabilidade de mudar de escola, enquanto aqueles inseridos em escolas com ICG 1 desvio padrão abaixo da média teriam 78% de probabilidade de migrar.

Cada PAD que a escola ganhou reduziu em 58% a chance de o docente mudar para outra escola. Novamente, utilizamos as probabilidades preditas para melhor exemplificar o efeito desta variável, mantendo todas as demais variáveis constantes e observando somente o efeito predito pelo modelo para a variável número de vezes que a escola em que os professores estavam alocados recebeu o Prêmio Anual de Desempenho.

O Gráfico 3 mostra os resultados, que variam entre 92% de probabilidade de migrar para docentes que estavam em escolas que não ganharam nenhuma vez o PAD e 3% de probabilidade de migrar para aqueles cuja escola de origem ganhou o PAD sete vezes. Tal resultado deixa ainda mais visível como essa variável tem um impacto forte na probabilidade de mudança de escola. Por fim, o Ideb não foi estatisticamente significante.

GRÁFICO 3 PROBABILIDADES PREDITAS DE MUDAR DE ESCOLA COM RELAÇÃO AO NÚMERO DE VEZES QUE A ESCOLA GANHOU O PRÊMIO ANUAL DE DESEMPENHO

Esses resultados vão ao encontro da literatura discutida neste artigo. As características da escola de origem parecem estar mais associadas ao fenômeno da mobilidade do que as características dos docentes. Podemos supor então que essas variáveis impactem mais a decisão de mudar ou permanecer em uma escola.

A idade pode estar relacionada com diversos fatores; por exemplo, as escolas podem preferir ceder professores menos experientes, ou, da mesma forma que ocorre no mercado de trabalho em geral, os profissionais mais jovens sejam mais propensos a realizarem mudanças de função ou profissão (CORSEUIL et al., 2013CORSEUIL, C. H. et al. A rotatividade dos jovens no mercado de trabalho formal brasileiro. Mercado de Trabalho - Conjuntura e Análise, Brasília, v. 18, n. 55, p. 23-29, 2013. Available at: http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/mercadodetrabalho/bmt55_completo.pdf. Access on: July 17, 2018.
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). Por outro lado, se considerarmos aspectos do contexto que estamos estudando, há a possibilidade de a idade estar associada ao conhecimento que o docente tem da rede, levando-se em conta que existe um número razoável de professores da coorte (813) que estavam tomando posse de sua segunda matrícula. Além disso, outra hipótese é de que docentes mais velhos alcancem melhores colocações no concurso e escolham escolas com perfil mais favorável, deixando menos opções de escolha para os piores colocados. Allensworth, Ponisciak e Mazzeo (2009ALLENSWORTH, E.; PONISCIAK, S.; MAZZEO, C. The schools teachers leave: mobility in Chicago public schools. Research Report. Consortium on Chicago School Research at the University of Chicago Urban Education Institute. Chicago, 2009.), ao investigarem características das escolas e dos docentes relacionadas com a rotatividade, encontraram diferenças pequenas associadas a cor, sexo ou escolaridade do docente e, no que se refere à idade, observaram que os docentes mais jovens eram os que apresentavam maior instabilidade.

O impacto do PAD pode estar relacionado aos incentivos da bonificação salarial. As escolas que ganham mais vezes o PAD parecem mais capazes de reter seus docentes, enquanto as que não ganham (ou ganharam poucas vezes) têm mais chances de perder seus professores para outra escola. Ladd (2001LADD, H. F. School-based educational accountability systems: the promise and the pitfalls. National Tax Journal, v. 54, n. 2, p. 385-400, June 2001.) observou um padrão semelhante na Carolina do Sul, em que os docentes migravam para escolas com maior probabilidade de ganhar bonificação.

No entanto, acreditamos que, além do incentivo financeiro, essa variável possa estar relacionada com o clima escolar, uma vez que um bom clima escolar pode favorecer a escola a se mobilizar para melhorar seu desempenho e ganhar o PAD. Assim, a capacidade de retenção do professor pode estar associada não somente ao incentivo financeiro, mas também a um melhor clima escolar/ambiente mais atrativo da escola.

Allensworth, Ponisciak e Mazzeo (2009ALLENSWORTH, E.; PONISCIAK, S.; MAZZEO, C. The schools teachers leave: mobility in Chicago public schools. Research Report. Consortium on Chicago School Research at the University of Chicago Urban Education Institute. Chicago, 2009.) também investigaram o impacto do clima escolar. Segundo os resultados encontrados pelos os autores, o clima escolar pode ser mais importante na decisão dos docentes em mudar ou não de escola do que características socioeconômicas do alunado. O Ideb, apesar de refletir o clima escolar (CANDIAN; REZENDE, 2013CANDIAN, J. F.; REZENDE, W. S. O contexto normativo do clima escolar e o desempenho dos alunos: implicações para o debate sobre gestão escolar. Pesquisa e Debate em Educação, Juiz de Fora, v. 3, n. 2, p. 25-41, 2013.), tem algumas desvantagens em relação ao PAD em nosso estudo. E a principal é que para uma escola ganhar o PAD ela só precisa alcançar a sua meta, enquanto olhar para o Ideb implicaria, por exemplo, que uma escola com baixo Ideb que ganhou o PAD estaria, na escala, abaixo de uma escola de médio ou alto Ideb que não ganhou o PAD. Nesse sentido, a premiação do PAD seria mais adequada para verificar o clima escolar do que o Ideb, que tem um peso grande do NSE do alunado (ALVES; SOARES, 2013ALVES, M. T. G.; SOARES, F. F. Contexto escolar e indicadores educacionais: condições desiguais para a efetivação de uma política de avaliação educacional. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 39, n. 1, p. 177-194, jan./mar. 2013.; KOSLINSKI; CUNHA; ANDRADE, 2014KOSLINSKI, M. C.; CUNHA, C. P.; ANDRADE, F. M. Accountability escolar: um estudo exploratório do perfil das escolas premiadas. Estudos em Avaliação Educacional, São Paulo, v. 25, n. 59, p. 108-137, set./dez. 2014.).

Os parâmetros estimados para nível socioeconômico do alunado apresentou tendências similares àquelas observadas nas literaturas internacional e nacional sobre o tema. Barbieri, Rossetti e Sestito (2010BARBIERI, G.; ROSSETTI, C.; SESTITO, P. The determinants of teacher mobility: evidence from a panel of Italian teachers. Banca D’Italia, 2010. (Working Paper, 761).) encontraram na Itália um resultado parecido com o nosso: o baixo desempenho dos alunos - que pode estar associado ao clima escolar e ao NSE - e o nível socioeconômico do alunado aumentavam as chances de os docentes migrarem da escola onde estavam lotados. Nos EUA, Boyd et al. (2008BOYD, D. et al. Who leaves? Teacher attrition and student achievement. Cambridge: National Bureau of Economic Research, 2008. (NBER Working Paper, 14022). Available at: http://www.nber.org/papers/w14022. Access on: May 8, 2018.
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), West e Chingos (2009WEST, M. R.; CHINGOS, M. M. Teacher effectiveness, mobility and attrition in Florida. In: SPRINGER, M. G. (ed.). Performance incentives: their growing impact on American K-12 education. Washington, DC: Brookings Institution Press, 2009.) e Clotfelter et al. (2004CLOTFELTER et al. Do school accountability systems make it more difficult for low-performing schools to attract and retain high-quality teachers? Journal of Policy Analysis and Management, v. 23, n. 2, p. 251-271, spring 2004.) encontraram padrões de rotatividade que corroboram que a mobilidade docente é impactada pelas características socioeconômicas do entorno da escola e de seu alunado.

Todos os estudos brasileiros encontrados observaram que as escolas com maior rotatividade eram as que estavam nas periferias, em regiões de alta vulnerabilidade e com alunado de baixo NSE. Neste trabalho, não estamos analisando rotatividade - para isso precisaríamos olhar o fluxo de entrada e de saída dos docentes das escolas -, mas entendemos que mobilidade e rotatividade estão interligadas.

Neste estudo conseguimos identificar alguns fatores associados com a mobilidade docente, que certamente também são relacionados com a rotatividade docente nas escolas. Isso é importante para entender o que os docentes levam em conta na sua decisão de permanecerem ou não em uma escola e como tornar as escolas mais atraentes para os professores.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os resultados aqui apresentados apontam para um padrão semelhante ao dos estudos citados neste artigo. Verificamos, por exemplo, que cerca de 2/3 dos docentes da coorte realizaram ao menos uma mudança de lotação durante os oito anos que observamos a mobilidade. Com relação aos fatores associados, entre as características dos docentes consideradas, apenas a idade mostrou relação com a mobilidade, indicando que professores mais velhos têm menos chance de mudar de escola. Isso significa que, assim como observado por trabalhos realizados em outros contextos, os fatores relacionados com a escola estão mais associados com a mobilidade do que as características dos docentes.

As características das escolas, com exceção do Ideb, mostraram associação com a mobilidade. O aumento do Inse diminuiu a chance de o docente mudar de escola, indicando que escolas com alunos de nível socioeconômico mais baixo sofrem mais com rotatividade docente. O aumento do ICG da escola também reduziu a chance de migração. A princípio esse resultado parece contraintuitivo, pois entende-se que ser menos complexa seria uma vantagem para a escola em termos de organização. Contudo, o fato de a rede ter reestruturado algumas escolas para que atendessem a apenas uma etapa de ensino ou segmento pode ter obrigado professores de escolas que ficaram menos complexas a mudarem de unidade.

A variável referente ao número de vezes que a escola ganhou o PAD teve um impacto muito grande na probabilidade de mobilidade, o que indica que essa política, que pretendia aumentar a aprendizagem dos alunos, estava agravando a desigualdade do sistema educacional. Escolas com dificuldade de alcançar suas metas apresentariam menor capacidade de reter - e atrair - docentes, ampliando assim suas dificuldades. Em termos de desigualdades de oportunidades educacionais, os resultados mostram que as escolas que atendem a um alunado com maior vulnerabilidade social e educacional são as que mais sofrem com falta de professores e alta rotatividade docente.

Trabalhos futuros podem dar conta de investigar fatores que não pudemos observar neste estudo. Um índice de clima escolar pode ser mais preciso do que o número de vezes que a escola ganhou o PAD. Da mesma forma, a violência no entorno da escola deve ser um fator de grande motivação para docentes mudarem de lotação. Observar o ICG após o término da reestruturação da rede deve responder se os pressupostos sobre a complexidade estão certos ou se outros fatores se sobrepõem, como o próprio clima escolar. Além disso, estudos de caráter qualitativo seriam importantes para investigar o funcionamento da mobilidade a partir das percepções/motivações dos professores e das escolas.

A falta de regulamentação sobre a cessão entre as escolas da SME-RJ dificulta o controle sobre essa prática que é feita de forma informal sem avaliação das necessidades dos alunos. É preciso que as Secretarias de Educação monitorem a mobilidade e a rotatividade de professores, a fim de terem subsídios para criação de medidas que garantam a estabilidade do corpo docente.

Estudos como os Akiba, LeTendre e Scribner (2007AKIBA, M.; LETENDRE, G. K.; SCRIBNER, J. P. Teacher quality, opportunity gap, and national achievement in 46 countries. Educational Researcher, v. 36, n. 7, p. 369-387, Oct. 2007.) observaram que os alunos com baixo desempenho e baixo nível socioeconômico são mais impactados pelos professores. Em outras palavras, o professor é mais importante para a aprendizagem desses alunos do que para alunos com alto desempenho e alto nível socioeconômico. Esses autores ainda argumentam que uma boa distribuição de docentes entre as escolas pode ser um fator determinante para a diminuição das desigualdades entre os alunos. Tal argumentação é corroborada nos estudos de Rao e Jani (2011RAO, R. R.; JANI, R. Teacher allocation and equity in Malaysian schools. International Journal of Institutions and Economies, v. 3, n. 1, p. 130-112, Apr. 2011.), na Malásia, e de Luschei, Chudgar e Rew (2013LUSCHEI, T. F.; CHUDGAR, A.; REW, W. J. Exploring differences in the distribution of teacher qualifications across Mexico and South Korea: evidence from the Teaching and Learning International Survey. Teachers College Record, v. 115, n. 5, May 2013.), que comparam os sistemas educacionais da Coreia do Sul e do México. Em ambas as pesquisas, os resultados indicam que uma distribuição de docentes que foque nos alunos de maior vulnerabilidade e evite os padrões que encontramos no Rio de Janeiro é mais favorável à equidade. Ou seja, sistemas que incentivem os professores a permanecerem em escolas que atendam a alunos de baixo desempenho e baixo nível socioeconômico e que regulem a mobilidade de forma a evitar que escolas com perfil desfavorável sofram com alta rotatividade tendem a ser sistemas educacionais menos desiguais.