Quantos dias são necessários para intervenção militar

Desde 2013, o Brasil vive um clima de tensão e instabilidade política. Em 2016, houve o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff e seu vice, Michel Temer, assumiu o poder. Em meio à sensação de caos, alguns grupos da sociedade defendem que a intervenção militar seria a única saída para o país resolver problemas como a corrupção, a ética nos gastos públicos e a crise econômica.

No fim de maio deste ano, durante a paralisação de caminhoneiros, também chamou a atenção o uso de faixas em caminhões, não apenas para protestar contra o preço dos combustíveis, mas para pedir a derrubada do governo do presidente Michel Temer por intervenção militar.

Não foi uma reivindicação isolada. Durante a greve, foram criados grupos na plataforma WhatsApp para discutir a intervenção militar na política. Muitos disseminaram boatos e notícias falsas sobre um possível levante militar que estaria acontecendo em algumas cidades. Em Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, manifestantes bloquearam a entrada do quartel do Exército, pedindo intervenção militar no país.

A pauta intervencionista se espalhou nas redes sociais e ganhou ressonância na sociedade. Durante o período da paralisação dos caminhoneiros, o Ibope fez uma pesquisa e a sondagem indicou que um terço dos eleitores defendia uma intervenção militar imediata. Outro terço se disse favorável à realização de eleições antecipadas com solução para a crise (o pleito acontece em outubro).

Um mês antes, em abril, uma declaração do general Eduardo Villas Bôas, comandante do Exército, provocou polêmica. Na véspera do julgamento de habeas corpus do ex-presidente Lula pelo STF (Supremo Tribunal Federal), ele tuitou que os militares estavam atentos e zelando pelas instituições. A declaração foi interpretada como uma clara ameaça de intervenção militar.

Em uma palestra, o general Antônio Hamilton Mourão disse que as Forças Armadas poderiam partir para uma intervenção militar se o Judiciário “não solucionar o problema político”.

Como resposta às declarações dos generais, o ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, disse que, de zero a dez, é de “menos um” a chance de se ter uma intervenção militar no Brasil. “Não vejo nenhuma força política, à exceção daquelas que são absolutamente minoritárias, propor um retorno ao passado. Ninguém quer isso, e isso não tem o menor curso no Brasil, eu posso assegurar”, afirmou.

Intervenção militar é constitucional?

O sistema político brasileiro proíbe os militares de intervir na política e não prevê um mecanismo de intervenção militar “constitucional”. A Constituição de 1988, logo no Artigo 1º, parágrafo único diz que “Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”.

Pela Carta Magna, é o povo quem escolhe os governantes. Se os militares tomam o poder pela força, isso se classifica como um golpe de Estado. Já se um militar concorrer às eleições e acabar sendo eleito, esse fato não representa uma intervenção, mas um acesso ao poder pelo caminho do voto e da democracia.

E qual seria o papel das Forças Armadas na democracia? Seria o de garantir a defesa nacional e dos poderes constitucionais. Ou seja, além de atuar na segurança, também protege os Três Poderes e a soberania da Presidência. 

Em casos de um ambiente de grave instabilidade, as Forças Armadas podem atuar para a garantia da lei e da ordem, quando as instituições encarregadas de fazê-lo não possam, por qualquer razão, cumprir a tarefa.

Mas a Constituição diz que todas as medidas e ações a serem adotadas pelo comando militar devem estar previstas no ordenamento legal do Estado, sob a direção de autoridades como o presidente, o Supremo Tribunal Federal, o Senado Federal ou a Câmara dos Deputados.

Em uma situação de gravidade, por exemplo, o presidente da República pode decretar uma Intervenção Federal, Estado de Defesa e Estado de Sítio. Essas medidas devem ser tomadas para a manutenção ou o restabelecimento da normalidade, tendo como regra os princípios da necessidade (sob pena de se caracterizar arbítrio e verdadeiro golpe de Estado) e da temporariedade (não pode ser por um longo tempo sob pena de configurar verdadeira ditadura).

Ou seja, mesmo se as Forças Armadas forem chamadas para agir, essas operações devem ser realizadas por tempo determinado. Casos a atuação de membros das Forças Armadas ultrapasse o limite da lei, eles podem estar sujeitos a processos e sanções judiciais.

A Constituição prevê uma linha de sucessão no caso de um presidente ser impedido de continuar seu mandato. Se o vice-presidente cai, quem assumir tem o compromisso de convocar eleições diretas em 90 dias. A linha sucessória neste caso seria o presidente da Câmara, presidente do Senado e presidente do Supremo. Se a queda acontece depois da primeira metade do mandato, as eleições são indiretas e só votam parlamentares.

Intervenções militares no Brasil

Na história da República, o Brasil teve três intervenções militares na política. Em 1889, os militares derrubaram o Império. O marechal Deodoro da Fonseca proclamou a República e assumiu o cargo de primeiro presidente do Brasil.

No século 20, com a ajuda de militares, a intervenção militar ajudou a derrubar a Primeira República e a eleger o presidente Getúlio Vargas. Em 1954, diante de uma crise em seu governo, Getúlio foi pressionado pelos militares a renunciar. Sem apoio efetivo, Vargas suicidou-se e historiadores interpretam que sua morte evitou um golpe militar. Dez anos depois, em 1964, os militares tomaram o poder, no mais recente golpe de Estado que o Brasil viveu.

O golpe de 1964

No dia primeiro de abril de 1964, diversas cidades brasileiras amanheceram ocupadas por soldados e tanques. Tropas militares se movimentaram pelas estradas, em direção ao Rio de janeiro e Brasília. Na capital federal, a cidade estava cercada por tropas que impediam a chegada e a saída dos congressistas.

Em busca de segurança, o presidente João Goulart viajou do Rio para Brasília, e depois para Porto Alegre, onde tentou organizar uma resistência com o apoio de militares legalistas, que acreditavam na defesa da Constituição. Apesar de ter apoio de parte da população, Goulart desistiu da luta armada e partiu para o exílio político no Uruguai.

Naquela época, o mundo vivia o contexto da Guerra Fria e o clima era de incerteza. No Brasil, em um cenário de inflação elevada, o governo de João Goulart propunha reformas de base e ações de inclusão social. Muitos setores da sociedade acreditavam que um golpe comunista estava sendo tramado e que as medidas do presidente seriam um prelúdio para uma revolução vermelha, como havia acontecido com a Revolução Cubana (1959).

Os militares tomaram o poder pela força (ou seja, por meio de um golpe de estado) e derrubaram o presidente João Goulart. A expectativa era de que a intervenção seria “pontual” e as eleições democráticas logo aconteceriam. Mas os militares realizaram mudanças na Constituição, como o item que, antes, proibia a eleição de militares da ativa. Pouco depois, o general Castelo Branco foi eleito por deputados como presidente da República.

Quem apoiava o golpe acreditava na ideia central de que a principal ameaça à ordem capitalista e à segurança do país não viria de fora, como uma eventual guerra com a União Soviética. Ela viria de dentro do próprio país, através de brasileiros que atuariam como "inimigos internos".

O Regime militar durou 21 anos (1964-1984) e foi marcado pelas eleições presidenciais indiretas e pela manutenção das instituições políticas como o Congresso Nacional e o Poder Judiciário. O último general a governar o Brasil foi João Baptista Figueiredo, que encerrou o ciclo de governos militares no país.

Apesar de avanços econômicos, o período da ditadura foi marcado pelo autoritarismo, ou seja, um regime político que privilegiava a autoridade do Estado em relação às liberdades individuais, e o Poder Executivo em detrimento dos poderes Legislativo e Judiciário.

Durante a Ditadura, não havia liberdade de expressão e a garantia de direitos fundamentais. Políticos que apoiaram o presidente deposto foram cassados ou presos, além de militantes, entidades estudantis, líderes sindicais, camponeses e professores universitários.

04/06/2020 - 22:25  

Presidente da Câmara, Rodrigo Maia, endossou o parecer da Secretaria-Geral da Mesa

A Secretaria-Geral da Mesa Diretora da Câmara dos Deputados emitiu parecer esclarecendo que o artigo 142 da Constituição Federal não autoriza uma intervenção militar a pretexto de “restaurar a ordem”. “Não existe país democrático do mundo em que o Direito tenha deixado às Forças Armadas a função de mediar conflitos entre os Poderes constitucionais ou de dar a última palavra sobre o significado do texto constitucional”, diz o documento.

=> Leia o parecer na íntegra

O artigo 142 diz: "As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem."

Segundo o parecer, emitido na quarta-feira (3), trata-se de "fraude ao texto constitucional" a interpretação de que as Forças Armadas teriam o poder de se sobrepor a “decisões de representantes eleitos pelo povo ou de quaisquer autoridades constitucionais a pretexto de ‘restaurar a ordem’".

Assinado pelo secretário-geral da Mesa, Leonardo Barbosa, o documento diz que nenhum dispositivo constitucional e legal faz referência a uma suposta atribuição das Forças Armadas para o arbitramento de conflitos entre Poderes. “Jamais caberá ao presidente da República, nos marcos da Constituição vigente, convocar as Forças Armadas para que indiquem ao Supremo Tribunal Federal qual é a interpretação correta do texto constitucional diante de uma eventual controvérsia entre ambos”, diz o parecer.

Segundo o documento, “eventuais conflitos entre os Poderes devem ser resolvidos pelos mecanismos de freios e contrapesos existentes no texto constitucional, ao estabelecer controles recíprocos entre os Poderes. São eles que fornecem os instrumentos necessários à resolução dos conflitos, tanto em tempos de normalidade como em situações extremadas, que ameacem a própria sobrevivência do regime democrático e da ordem constitucional”.

Democracia
O parecer afirma que, em uma democracia constitucional, “nenhuma autoridade está fora do alcance da Lei Maior”. “A autoridade de que dispõe o presidente da República é suprema em relação a todas as demais autoridades militares, mas, naturalmente, não o é em relação à ordem constitucional.”

“Não há qualquer fragmento normativo no texto constitucional ou em qualquer outra parte do ordenamento jurídico brasileiro a autorizar a mediação ou mesmo a solução dos conflitos entre os Poderes da União pelas Forças Armadas. Mais: certamente as Forças Armadas não pretendem exercer tais supostas atribuições e tampouco estão aparelhadas a fazê-lo”, diz ainda o parecer.

Da Redação