O que foi o processo de branqueamento da população brasileira

Por Rodrigo Chiarini — 28 de novembro de 2017

INTRODUÇÃO

O racismo está presente no Brasil e no mundo todo. Algumas pessoas chegam a negar a existência do mesmo no Brasil, o que na verdade, sempre existiu desde como uma colônia, monarquia e república. O braqueamento da população negra brasileira teve como base a teoria racista científica, causando consequências na nossa sociedade. Esse artigo busca entender o surgimento desse processo e quais foram os seus efeitos na prática até nos dias atuais.

TEORIAS RACISTAS

A pouca história africana ensinada nas escolas impedem o entendimento da história e da cultura brasileira a partir da visão dos afrodescendentes. Aprender sobre o passado é uma das formas de manifestações da consciência histórica de modo a reconhecer o presente.

Alguns pensadores do século XIX como Joseph-Auguste de Gobineau, Richard Wagner e Houston Stewart Chamberlain, utilizaram da teoria da seleção natural para tentar explicar a sociedade humana, que em certo modo, tiveram a conclusão que alguns grupos humanos eram “fracos e fortes”. Então, os tipos físicos começaram a ser classificados e assim nasceu a fórmula principal do que chamamos de racismo científico: os portadores de pele escura (negros e não europeus) foram classificados como inferiores e os brancos como superiores. Logo, essa tese foi utilizada para “justificar” a exploração europeia sobre outros povos e territórios, encarando os africanos e asiáticos de forma etnocêntrica como bárbaros e primitivos e que precisavam da “ajuda” dos brancos (BENTO, 2005 apud OLIVEIRA, 2009, p. 5).

O racismo refere-se à valorização negativa de certos seres humanos por conta da sua etnia e cor da pele. Desta forma, é a crença de que as capacidades humanas são determinadas pela “raça” (NASCIMENTO, 2011, p. 5). Mas no Brasil, segundo Valdênia Geralda de Carvalho, o racismo possui uma característica diferenciada:

(…) enquanto no Brasil, o racismo prendeu-se às características fenotípicas da descendência. Como já se tornou comum nos estudos raciais, no Brasil o racismo passou a ser interpretado como uma espécie de racismo de marca (fenótipo) e não de origem (genótipo), daí derivando que o racismo brasileiro se manifesta por um continuum de cor, atingindo mais as pessoas com um fenótipo tipificado mais como negro, e matizando as discriminações conforme a aparência do indivíduo se aproxime do fenótipo branco. (CARVALHO, p. 4).

No Brasil, a escravidão foi abolida em 1888 com a Lei Áurea, sendo o último país nas a Américas de realizar esse fato mas, em 1870, o racismo científico embarcou no Brasil e sendo assim, esta visão racista foi sendo implementada na sociedade brasileira. O nosso país tem uma população com grandes números de negros e mestiços desde muito tempo, o que para várias teorias racistas era sinônimo de atraso ao progresso, de impureza e degeneração. Por outro lado, os mestiços tinham uma aceitação diferenciada dos negros, sendo considerados como “quase brancos” (OLIVEIRA, 2009, p. 10).

O BRANQUIAMENTO DA POPULAÇÃO BRASILEIRA POR MEIOS SOCIAIS E DE IMIGRAÇÃO

O branqueamento é uma ideologia nascida após a abolição com pretextos racistas compartilhados pelo país. Tal ideologia fazia crer às elites que o “problema” étnico-racial poderia ser solucionado pelo caminho da miscigenação. O sangue “branco” iria purificar o sangue “primitivo” africano, permitindo a eliminação física dos negros, o que forma gradativamente um povo “branco” e mais “civilizado” (OLIVEIRA, 2009, p. 8).

É com esse pensamento que explica a imigração em massa dos europeus para o país a partir da República, principalmente dos italianos. Dentro desta questão, foi apresentado um Projeto de Lei em 28 de julho de 1921 pelos deputados Cincinato Braga e Andrade Bezerra que estabelecia cotas para ingresso de asiáticos e simplesmente proibia a entrada de imigrantes negros no país (PARANÁ, 2006 apud OLIVEIRA, 2009, p. 9).

Pelo o que conta Petrônio José Domingues (2002), uma parte da população negra no Estado de São Paulo no começo do século XX aceitou em se moldar na ideologia racial da elite branca. Com isso, o branqueamento passou a ser também social com o objetivo dos negros começarem a assimilar atitudes e comportamentos da pessoa branca.

Um artigo publicado por um autor na Folha da Manhã diz que o negro não possuía nenhuma personalidade e era incapaz de ter um projeto político e ideológico, daí a necessidade de adotar uma vida branca.

Seguir os brancos nas suas conquistas e iniciativas felizes […] será o marco inicial da segunda redempção dos negros […]. Salientamos que a sua liberdade não foram elles [negros] que conseguiram. As tentativas que emprehenderam mal lograram desastrosamente. E da mão do branco que odiavam receberam a liberdade dos seus sonhos! (Folha da Manhã, São Paulo, 12/1/1930 apud DOMINGUES, 2002, p. 574).

Um outro artigo empregava definições pejorativas sobre as manifestações musicais (como o Samba) e danças negras, dizendo que era algo “grotesco”, “bárbaro” e “selvagem”. Tudo o que tivesse relação com o mundo negro era negado. Todo esse repúdio era um recurso de diferenciação social dos negros.

O negro ainda conserva a dança característica de rythmos grotescos e barbaros, que nos foram transmitidos pelos africa nos ao som dos “batuques”, “quigengues” e “pandeiros”, instrumentos de sonoridades insípidas, mas bem rythma das, que os fazem pular, voltear, numa sensualidade selvagem, verdadeiramente africana. E assim atravessam uma noite toda ao clarão de uma fogueira, que ao amanhecer só resta braseiro e cinza. (O Patrocínio, 19/10/1930, Piracicaba apud DOMINGUES, 2002, p. 576.)

Esses tipos de artigos circulando em jornais populares de São Paulo faziam com que os negros sentissem vergonha da sua cultura o que, consequentemente, começavam adotar “estilos” de vida das pessoas brancas, chegando até repudir outros negros que faziam outras práticas, alimentando um ciclo vicioso de preconceito entre eles mesmos na defesa dos “bons costumes”.

O BRANQUEAMENTO ESTÉTICO, BIOLÓGICO E PSICOLÓGICO

A ideologia do branquiamento também está no âmbito da estética. O modelo branco de beleza, considerado como padrão (e isso persiste nos dias atuais), pautava e pauta no comportamento e atitude de muitos negros. Um exemplo que podemos usar a respeito é uma propaganda em um jornal sobre uma técnica de alisamento do cabelo, mostrando que seria uma realização de um sonho tão profundo:

Uma invenção maravilhosa!… “O cabelisador”. Alisa o cabello o mais crespo sem dôr. Uma causa que até agora parecia impossível e que constituia o sonho dourado de milhares de pessoas, já é hoje uma realdade irrefutavel. Quem teria jamais imaginado que seria possivel alisar o cabello, por mais crespo que fosse, tornando-o comprido e sedoso? Graças à maravilhosa invenção do nosso “CABELISADOR”, consegue-se, em conjuncto com duas “Pastas Mágicas”, alisar todo e qualquer cabello, por muito crespo que seja. Com o uso deste maravilhoso instrumento, os cabellos não só ficam infallivelmente lisos, mas tambem mais compridos. Quem não prefere ter uma cabelleira lisa, sedosa e bonita em vez de cabellos curtos e crespos? Qual a pessoa que não quer ser elegante e moderna? Pois o nosso “Cabelisador” alisa o cabello o mais crespo sem dôr. (O Clarim D’Alvorada, São Pa u lo, 9/6/1929:1 apud DOMINGUES, 2002, p.578).

O branqueamento estético não era apenas para os cabelos. Uma outra propaganda mostrava um produto de tecnologia alemã que prometia o milagre de transformar a pele negra em branca:

Attenção. Milagre!… Outra grande descoberta deste século, é o creme liquido. Milagre. Dispensa o uso de pó de arroz… Formula Scientifica allemã para tratamento da pelle. Clarea e amacia a cutis. (O Clarim D’Alvorada, São Paulo, 28/9/1930 apud DOMINGUES, 2002, p.580).

Para além disso, também existia a questão da ideologia do branqueamento biológico que, segundo Domingues (2002), era de que o negro seria melhor biologicamente casado com alguém de pele mais clara. Os pais incentivavam os filhos a se casarem com pessoas brancas com a esperança que seus netos e bisnetos parecessem cada vez menos negros. Para uma classe de mentalidade racista, o casamento misto entre branco e negro representava o aprimoramento da raça quanto a premiação pela conquista social.

Esse tipo de ideologia tem um fator de ajuda: o psicológico. Usando um exemplo de uma conhecida, ela diz que “quer se casar com um homem branco para branquear mais a família, pois já existem vários negros”. A vontade da moça de ser branca faz com que assumam valores, comportamentos que não são de negros para serem aceitos e acolhidos por brancos. Teresinha Bernardo (1998) usa o psicanalista Sigmund Freud ao tratar das memórias encobertas, ou seja, ela quer esquecer que é negra para esquecer os sofrimentos sentidos na vivência do racismo. Então, essas discriminações sofridas faz com que o processo de branqueamento se intensifique. Muito provavelmente, ela quer que o filho ou a filha seja mais claro ou clara para não sofrer tais discriminações como a mãe sofre.

CONCLUSÃO

O que agrava a questão do branqueamento dos negros no Brasil é o mito da “democracia racial”. Este mito mistifica, cria ilusão, disfarça as relações raciais no Brasil utilizando o relativismo e os meios de comunicação. No caso da relatividade, ela molda o pensamento para observar que nos EUA e na África do Sul são mais racistas que o Brasil. A construção do discurso que o país vive a “democracia racial” vem durante a República Velha, tornando o racismo como algo necessário, mas não podia ser visto, já que então o país crescia e precisava ter o branqueamento em andamento (BERNARDO, 1998, p. 147 e 148).

A mídia alimenta a existência dessa falsa democracia no Brasil. As telenovelas e notícias são grandes exemplos. As notícias mostram com maior impacto que os casos de racismo, negros mortos por descriminação e dentre outras coisas em outros países. Já no Brasil, é colocado de forma mais branda. As telenovelas, por exemplo, a “América”, mostra um personagem “negro de alma branca”, dizendo que as relações entre negros e brancos aqui são pacíficas (BERNARDO, 1998, p. 153).

Entretanto, nota-se uma mudança (mesmo de forma tímida) na televisão brasileira que passa a mostrar aos telespectadores que o racismo não pode ter mais espaço na comunicação e no entretenimento. Temos, por exemplo, o afastamento do jornalista William Waack após um vídeo ter vazado onde ele faz comentários de cunho racista (GLOBO, 2017).

O mais dolorido é perceber como os negros perderam durante a história a sua identidade, a sua origem e a sua cultura. Porém a internet, de certa forma, está desmascarando o mito da democracia racial e se tornou uma ferramenta primordial para que os negros possam se aceitarem e que denúncias de racismo fossem feitas de forma mais prática, como aconteceu com o âncora do Jornal da Globo. Por outro lado, não é tão difícil encontrar comentários de fotos, vídeos, notícias e textos que perpetuam esse mito. É assustador como esses processos do passado ainda marcam a sociedade brasileira nos dias atuais.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BERNARDO, Teresinha. Racismo no século XXI. São Paulo: Educ/Fafesp/Unesp, 1998.

CARVALHO, Valdênia Geralda de. A idéia de justiça e a política de cotas raciais no Brasil: Dilemas e perspectivas segundo o pensamento de John Rawls. Disponível em: <http://www.domtotal.com/direito/uploads/pdf/6ce6c5de6d2af40b289ed14818e7aeb6.pdf>. Acesso em 27 nov. 2017.

DOMINGUES, Petrônio José. Negros de almas brancas? A ideologia do branqueamento no interior da comunidade negra em São Paulo, 1915–1930. Estud. afro-asiát., Rio de Janeiro , v.24, n.3, p.563–600, 2002. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101546X2002000300006&lng=en&nrm=iso>. Acesso em 27 nov. 2017.

GLOBO afasta William Waack após comentário racista vazar em vídeo. El País, 9 nov. 2017. Disponível em: <https://brasil.elpais.com/brasil/2017/11/09/politica/1510184872_072863.html>. Acesso em 27 nov. 2017

NASCIMENTO, Fábio Fernandes do. O Mito da Democracia Racial. 2011. Disponível em: <http://domtotal.com/direito/pagina/detalhe/30807/o-mito-da-democracia-racial>. Acesso em 27 nov. 2017.

OLIVEIRA, Idalina Maria Amaral de Oliveira. A Ideologia do Branqueamento na Sociedade Brasileira. Universidade Estadual do Norte do Paraná, Santo Antônio do Paraíso, 2008. Disponível em: <http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/pde/arquivos/1454-6.pdf>. Acesso em 27 nov. 2017.

RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. P. 228–244