A sabedoria popular antecede a tecne e o saber científico

*Texto elaborado em coautoria com o Professor Luiz Gonzaga Falcão Vasconcellos- IG/UFU Desde o início da vida humana na Terra nossa existência tem sido o resultado de saberes construídos, mesmo antes da sistematização da ciência. Assim é que o saber popular antecede o processo de organização do conhecimento científico que não pode prescindir da sabedoria acumulada ao longo da vida humana na Terra. O saber popular ganha forma e é transmitido pelo suceder de gerações nas diversas culturas, em todos os tempos no decorrer dos milênios do processo de constituição humana (homem / mulher). As culturas são constituídas por saberes que avançam de maneira ininterrupta e crescente, lado a lado ao permanente surgimento  de novas questões e desafios. Na modernidade houve o momento da sistematização dos saberes adotando uma metodologia denominada como "científica" que pode em muitas circunstâncias, dada sua forma e maneira de abordar e sistematizar realidades e as questões postas, propiciar melhores  condições de vida na Terra, tanto para o homem-mulher (seres humanos) quanto para os demais seres. Através de milênios os seres humanos vêm culturalmente acumulando seus conhecimentos e saberes. Os saberes com menor sistematização, conhecidos como saberes populares, precisam ser devidamente reconhecidos em sua relevância para o bem estar humano. "Trata-se de aprender a ler a realidade (conhecê-la) para em seguida poder reescrever essa realidade (transformá-la)", afirmou Paulo Freire em sua obra Pedagogia do Oprimido e  ”o mundo não é, o Mundo está sendo”. Em outras palavras, o Mundo não está pronto, está sim em construção e transformação. Os estudiosos e pesquisadores das diversas áreas do saber não podem prescindir das experiências que são desenvolvidas através dos tempos, historicamente em perspectiva de "conhecimento popular". Essas experiências são fontes e têm permitido desdobramentos científicos. Cada vez  maiores parcelas de estudiosos e pesquisadores se empenham em diálogos e caminhos  com vistas a conexão dos saberes científicos e populares em sentido de mão dupla. Ainda há estudiosos e  pesquisadores que em função de visão estreita e preconceituosa não valorizam os saberes populares. Mas, torna-se indispensável reconhecer que o saber popular é ponto de partida para o refinamento e avanço do conhecimento. Sem o amálgama desses saberes com certeza as demandas e necessidades humanas ficam prejudicadas e empobrecidas, em todos os sentidos. Claro, que não se pode imaginar o saber popular como algo que resolve por si só as questões postas pelas necessidades e demandas cada vez mais complexas, da humanidade. Ele deve ser questionado como também assim deve ser com o conhecimento científico. Pelo dito, fica evidenciada a importância lado a lado, do saber científico e do  popular, em prol do avanço do conhecimento. O mundialmente reconhecido geógrafo Milton Santos foi um crítico da abordagem do desenvolvimento da tecnologia e da ciência apartadas de sua dimensão política. Ele nos apresentou os argumentos de que rumamos para um período popular da história. A geógrafa Maria Adélia de Souza, professora aposentada da USP, em palestra na UNICAMP afirmou “O período popular da história, a que se referiu Milton Santos, envolve uma nova humanidade, onde se construirá a paz através da consolidação de mecanismos solidários que não serão fabricados em laboratórios. Já estamos em pleno período popular da história”. Assim é que o mestre Milton Santos identificava a solidariedade brotando no seio dos setores populares, como iniciativa das populações subalternizadas, e por vezes desconsideradas por governantes, e não estudada na proporção que deveria ser no âmbito das universidades e outras instituições de pesquisa. Em função desse modelo excludente de inclusão social, as populações empobrecidas são forçados a criar onde vivem, estratégias de vida, sob a pobreza e a miséria, seja no campo ou na cidade. Os bens e a solidariedade inerentes às comunidades rurais, dos sem-terra e sem teto, dos povos das florestas, dos quilombolas estão escondidos muitas vezes não interessando as elites e aos seguimentos socioeconomicamente melhor aquinhoados. Nessas situações, por vezes contando somente com o saber popular e relações solidárias se forjam outras formas de viver, diferentes da violência que é divulgada como se fosse o único padrão para a vida humana. Em algum momento o conhecimento científico aprenderá com essas realidades e se constituirá em saber de toda e para toda gente. Isso sem dúvidas será fruto de pensamentos e práticas em favor de novos mundos possíveis.

*O conteúdo desta coluna é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.


METODOLOGIAS PARTICIPATIVAS EM EDUCAÇÃO PARA OS DIREITOS HUMANOS José Francisco de Melo Neto* * Professor Titular em Filosofia e História da Educação, da Universidade Federal da Paraíba. Atua na pós-graduação em educação (PPGE), coordenando o grupo de pesquisa em Extensão Popular – EXTELAR, desenvolvendo pesquisas no campo da Educação Popular em Economia Solidária. Participa da Incubadora de Empreendimentos Solidários – INCUBES/UFPB. 2 A cultura dos direitos, um processo de acumulação histórica, vem estabelecendo significados e princípios para essa cultura, definindo-os em éticos, políticos e educativos. Nesse primeiro campo de princípios dos direitos humanos, éticos, há uma nucleação em torno do princípio da dignidade humana. Este define o sujeito como um sujeito de direitos pautado pelo respeito à diversidade sociocultural; implementa a necessidade de tolerância entre diferentes; avança para a solidariedade entre os desiguais e incorpora o princípio da igualdade como expressão de universalidade da própria dignidade. Estes princípios só se realizam pela autonomia do sujeito de conhecimento. Outro conjunto de direitos insere-se no campo da política como a definição mesma de cidadão, entendida a cidadania, como uma condição instituída de ser humano e desta “o reconhecimento de pertencimento das pessoas a uma coletividade, consignado por sua formalização jurídico-política” (Silveira: 2007, p. 7-9). Acompanha este princípio o da responsabilidade do cidadão e a conseqüente construção da democracia. Essa ética política e democrática estabelece como necessária a igualdade, a liberdade e a solidariedade, na construção da justiça social, realizada, necessariamente, pelo diálogo, na luta pelo impedimento de que qualquer forma de totalitarismo possa se estabelecer. Daí, definem-se os princípios educativos, tendo a educação como um direito humano público, subjetivo e inalienável, com fim em si mesmo, buscando a articulação entre a teoria e a prática dos processos educativos, instaurando também mecanismos democráticos no campo do ensino e da aprendizagem, onde o trabalho tem valor central. A questão que se coloca, portanto, nesse avanço para a democratização do ensino e da aprendizagem, é: que tipo de metodologia pode atender a tais princípios e como pode ser efetivada, contribuindo para a realização desse cidadão democrático?A resposta aqui apresentada é a metodologia participativa, acompanhada de um conjunto de técnicas que facilitem para essa cultura dos direitos. Metodologia participativa Ao pensar com Bittar (2007), de que “O modelo de educação que se tem, e as vocações que é capaz de despertar estão intrinsecamente associados aos modos pelos quais se pratica poder na sociedade”, o exercício desse poder é o desafio maior na educação, considerando que se faz necessário um exercício de aprendizagem para uma cultura democrática. Afinal, o estabelecimento de uma cultura democrática, fomentadora da autonomia da pessoa, e o exercício do poder de forma democrática não nascem e não estão imanentes com a natureza biológica humana. São dimensões da vida e da cultura que precisam ser apreendidos e praticados. Assim, é que também Freire (2002) entende 3 esse movimento de busca permanente como expressão de um movimento dialético. Tanto a humanização como a desumanização, dentro da história, num contexto real, concreto, objetivo, são possibilidades existenciais humanas, conduzidas pela capacidade de que os homens possam se sentir seres inconclusos e conscientes de sua inconclusão. Mas, também para ele, interessa a superação de uma afirmação negada pela injustiça, pela exploração, pela opressão, pela não liberdade, sendo assim exercitada por práticas com a perspectiva de se ir além. Portanto, uma educação para autonomia, acompanhada de um conteúdo de ensino e de aprendizagem para a democracia. Metodologia entendida como uma visão de mundo, metodologia como uma filosofia de mundo e de caminhos para a organização da sociedade, acompanhada de processos educativos e com práticas pedagógicas que possam orientar na perspectiva de recuperação da capacidade humana de pensar e de sentir, também. Isto, sem qualquer tipo de aprisionamento a perspectiva racional instrumental que reduz a dimensão sensitiva humana. Como bem lembra Dias (2007) que “Educar para os direitos humanos, prescinde, então de uma escuta sensível e de uma ação compartilhada entre professores e alunos, capaz de desencadear processos autônomos de produção de conhecimento”. Ora, isto traz a possibilidade de estando juntos, educadores e educandos, construírem, a partir dessa produção de conhecimento, processos de emancipação humana, repercutindo nos seus jeitos de viver, pensar, sentir e agir, em suas relações com os outros e consigo mesmos. Isto vem da necessidade de se entender o outro. Todavia, não pode ser o outro exótico mas um outro em condições de juntos com o eu contribuírem às práticas democráticas e à construção esperançosa de uma sociedade também democrática. Dessa forma, instaura-se, necessariamente, um conjunto de outras e novas interpretações e visibilidades do mundo. Um ambiente para diferentes pontos de vistas, distintos ângulos de visão, com amplas condições de deslocamento do campo pessoal para o político e do local para o histórico e para o cultural. Como ambiente dialógico, criam-se espaços para trocas de idéias entre os participantes. São possibilidades que se tornam mais viáveis numa perspectiva da educação popular. Mas, que educação popular? Uma pedagogia para educação popular A efetivação de conteúdos e da aprendizagem em direitos humanos também passa a cobrar uma educação voltada àquelas perspectivas principistas. Assim, é que se apresenta a educação popular como um exercício possível, entendida, como um fenômeno de produção e apropriação dos produtos culturais. Uma educação que não se contenta simplesmente com a condição de aprendizagem de forma bancária, lembrando Freire, mas em situações em que os aprendentes também 4 produzem os entes de cultura. Uma visão ativa, dinâmica e, particularmente, participativa de metodologias para o exercício desse fenômeno educativo. Uma educação que está expressa por um sistema aberto de ensino e aprendizagem. Um sistema que possibilita a troca das visões e dos demais jeitos do sentir e do agir nas relações de aprendizagem. Mesmo como um sistema aberto, isto caracteriza uma teoria de conhecimento referenciada na realidade, cobrando metodologias incentivadoras à participação e ao empoderamento das pessoas. O trabalho continua mantido como centro das atividades educativas, definindo uma pedagogia que potencializa as condições de participação, por meio de conteúdos e técnicas de avaliação processuais. Não cabe, portanto, outro tipo de processo avaliativo que não seja o acompanhamento permanente das ações educativas. A educação popular permeada pelo ideário dos direitos humanos está centrada em uma base política estimuladora de transformações sociais e orientada por anseios humanos de liberdade, justiça, igualdade e felicidade. Ora, estes são também os princípios presentes na educação para os direitos humanos. Como se vê, a educação popular em direitos humanos se apresenta como um fenômeno cultural de produção e apropriação dos bens humanos, detentor de um sistema de ensino e aprendizagem definido por uma teoria de conhecimento, referenciada na realidade. A educação popular contém uma pedagogia que potencializa a participação das pessoas, alimentada por conteúdos e técnicas de avaliação apropriadas com base política definida, onde se encontra com uma pedagogia própria para o incentivo a uma cultura de direitos, uma cultura de democracia. Análises e práticas em educação popular originam-se, normalmente, da compreensão de cultura. O método Paulo Freire de alfabetização, por exemplo, tem início com a definição de um universo vocabular, produto da cultura do ambiente. A perspectiva de cultura adotada em educação popular traduz e expressa, do ponto de vista político, a visão alicerçada nas bases explicativas e dominantes da sociedade, em seus variados modos de produção. Entre os gregos, cultura e religião estiveram interligadas, expressando as explicações da natureza, porém cheias de atributos religiosos. Essa visão de cultura já era idealizada em Homero, tornando a beleza o ideal educativo e dominante daquela cultura, presente até os dias de hoje. Contudo, é Hesíodo, outro poeta grego, que, sem negar o ideal homérico, apresenta outra base para a educação. Elege o trabalho como referência para a educação grega do homem e da mulher. O que se vê são diferenciadas visões de cultura à mercê da visão dos setores dominantes da sociedade, em suas épocas. Mas, vendo a importância da metodologia participativa, via educação popular, resgata-se a perspectiva conceitual de cultura, embalada pela categoria teórica movimento e fruto inerente de cada modo de produção. Isto é, a perspectiva do conceito de cultura nos 5 marcos da produção, traduzida na visão de Álvaro Vieira Pinto1. A produção é expressivo parâmetro de universalidade, considerando a sua presença em todos os tipos de grupos sociais, presentes nos mais diferenciados rincões e em qualquer tempo da história humana. E aí, como produto do processo produtivo, cultura é uma criação do próprio homem. É resultante das diferenciadas formas de tentativas do humano no trato com a natureza material, na medida em que está sempre em luta pela própria sobrevivência. A sua capacidade intelectiva e manual possibilitou um maior crescimento e intensidade desses fazeres de sobrevivência. Esses produtos, daí gerados, constituem-se todos como produtos culturais. Dessa capacidade, foram sendo criados os instrumentos de sobrevivência e todos os tipos de expressão espiritual, inclusive, e, posteriormente, as religiões. Cada uma foi inventada em determinado tempo e lugar, prisioneira das condições da cultura estabelecida e veiculada nos anseios de dominação de cada povo (construção de impérios) ou sendo impingida a cada povo perdedor, transmitida e conservada de geração para geração. Como se pode ver, cultura, na perspectiva apresentada, isto é, como produto do processo produtivo, adquire dupla natureza. Cultura, expressa pelo bem produzido, torna-se bem de consumo, enquanto resultado expresso em coisas e artefatos e subjetivado em idéias gerais do mecanismo produtivo. Cultura se converte, ainda, em bem de produção, subjugando a realidade e submetendo-a as suas reflexões, gerando novos produtos e novas técnicas de exploração do mundo, dando-lhes, pelas idéias, significados e finalidades para as suas ações. A partir dessa visão, torna-se possível dessacralizar as marcas ideológicas das outras perspectivas de cultura, quaisquer que sejam, imputando aos mais aquinhoados o ter cultura e convencendo os demais de que têm cultura àqueles que, tão-somente, estiveram na escola. Pode- se afirmar que estes, apenas, também têm cultura. Numa sociedade de pouco acesso aos tantos meios de socialização do conhecimento, certa visões só aprofundam a “apartação social”, fortalecendo a dominação por parte dessas elites. Portanto, cabe aos que produzem os entes culturais – bens materiais e bens ideais – o resgate da posse de seu próprio processo de se tornarem humanos, edificando os vetores de sua libertação, sendo esta ação fortalecedora de sua sabedoria2 e, necessariamente, da educação popular por meio de metodologias participativas. Ao pensar a produção do conhecimento, será pela categoria trabalho que se torna possível o caminho das abstrações que conduz à 1 Filósofo brasileiro. Ver: Pinto, Álvaro Vieira. Ciência e Existência – problemas filosóficos da pesquisa científica. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979. 2 A sabedoria popular antecede a tecne e o saber científico. Na filosofia de Platão e Aristóteles, a tecne adquire o significado atual da palavra teoria, contrapondo-se à mera experiência. Teoria em função de uma prática (Aristóteles), diferente da perspectiva de Platão como teoria da “ciência pura”. 6 definição de categorias do real, buscando aquelas categorias mais simples, porém com chances de maiores explicações para a situação em que se encontram a realidade e suas situações de determinação, onde estão acontecendo atividades de educação. O trabalho se constitui como elemento constante na dimensão da educação popular, sendo o fazer educativo, efetivamente, o trabalho em si mesmo. Na educação voltada aos interesses dos trabalhadores, o trabalho intelectivo dos atores dessa educação percorre o caminho da produção de abstrações mais gerais com condições explicativas da situação de vida daquela comunidade ou grupo social. Com essas abstrações mais gerais, torna-se possível a compreensão da situação do momento em que se vive, possibilitando além disso maiores e melhores explicações históricas das determinações de cada momento histórico dos objetos de estudo. Assim, fica mais clara a definição dos instrumentos teóricos, das categorias teóricas que possibilitam, finalmente, definir-se de que forma montar a análise da própria realidade e por onde começá-la, buscando resposta às questões levantadas quando estabelecido o diálogo exercitado na educação popular. É um processo de trabalho que vislumbra a produção do conhecimento social e útil, capaz de promover a superação do trabalho alienado. Este trabalho social gera um produto que também apresenta suas contradições, mas que se constituirá, sobretudo, como uma mercadoria social, na medida em que é produzida por aqueles que realizam a educação de cunho popular. É um produto, seja conhecimento teórico ou tecnológico, que precisa ser gerenciado pelos produtores principais, tornando possível a socialização desse produto, caracterizando esse momento como o da devolução das análises ou dos produtos mesmos aos seus produtores. Vive-se, nesse momento, a apropriação dos bens culturais, por meio desse trabalho intelectivo ou técnico. Isto possibilita um novo agir sobre a realidade, gerando conhecimento nas ações pedagógicas, aprimorando a capacidade de aprender desses atores, buscando dimensões outras de facilitação dessa aprendizagem, elaborando outras teorias em educação, e ainda desenvolvendo as suas habilidades políticas para intervirem na elaboração da própria política da educação com novas normas e orientações pedagógicas. Um trabalho que, do ponto de vista ontológico, orienta-se para a realização das necessárias transformações, buscando-se a superação de processos de exclusão e promotores de injustiças. O trabalho, enquanto categoria que embasa e alimenta metodologias participativas pela educação popular, concretiza-se nas ações do coordenador de grupo de educação, dos educandos e por todos, como construção teórica de categorias que os instrumentalizem para análises sobre a realidade e das questões comunitárias. Um trabalho que irá se expressar, também, como um direito e um dever das pessoas. As necessidades de transformação contidas na ação do trabalho são 7 expressão das necessidades da comunidade ou da população para gerar riquezas para todos. O trabalho como condição básica do existir humano – a produção de sua sobrevivência, propiciadora de atitudes para a democracia. Com essa dimensão, o trabalho provoca, de forma intrínseca, a necessidade de participação na criação e na transformação do meio ambiente, da vida, da história. Do ponto de vista econômico, possibilitando gerar ocupação para todos, promovendo a subsistência de todos. Trabalho como expressão de apoderamento dos bens culturais produzidos pela humanidade. Um caminho só possível por exercícios participativos. Assim, é que a posse desses bens culturais muito favorecerá a caminhada pela igualdade, liberdade e autonomia das pessoas. Autonomia, aqui entendida, como a condição de cada um de poder governar-se por si mesmo e de forma independente (FREIRE, 1997). Um caminho que exige exercícios de participação. Interliga-se com a liberdade, entendida como a capacidade que o indivíduo tem de agir por si mesmo. Como liberdade, autonomia pode traduzir um sentido político, na compreensão clássica de que a liberdade de cada um termina onde começa a liberdade do outro. Há, de forma explícita, uma delimitação para o exercício da autonomia, traduzida pela limitação direta do exercício da liberdade. Liberdade de poder exercer os direitos elementares da pessoa, como o de expressar o seu pensamento de forma oral ou escrita. Isto, contudo, traz em si mesmo a responsabilidade pela ação ou as conseqüências dos atos. Particularmente a forma oral, em que a educação popular também se realiza, lembra Freire, tem o papel de quebrar o silêncio incrustado nas pessoas. Autonomia e liberdade em educação popular adquirem uma dimensão particularmente filosófica, trazendo a discussão de sua realização em sentido absoluto, total. É possível a sua efetivação in totum? E os condicionantes sociais, políticos, econômicos, biológicos, psicológicos que a limitam? Ora, Sartre3 encontra no ser humano a possibilidade de realização da liberdade. Para ele, “o homem é livre - porque somos aquilo que fazemos do que fazem de nós”. O ser do homem e o seu ser livre não apresentam diferenças. São, ao mesmo tempo, seus constituintes e seus constituídos. Pode-se vislumbrar na autonomia um sentido de pensamento. O direito inalienável que a pessoa traz consigo de externar o seu pensamento, em sua forma estrita. Isso mostra a luta da pessoa pela liberdade de expressar o seu pensamento e que somente por metodologias que incentivem a participação é que se pode garantir o direito de expressão da outra, fortalecendo a cultura da democracia. Assegurar essa liberdade ao outro é a garantia do desejo de liberdade 3 Jean-Paul Sartre. Filósofo existencialista francês, falecido em 1980. 8 para o eu, um desejo intrínseco promovido nas metodologias de educação popular. Autonomia, liberdade e igualdade, permeadas por metodologias participativas podem ser exercitadas por uma educação voltada aos direitos humanos – a educação popular, que caminhará para a sua concretização por meio da promoção do diálogo. Tudo isto, abrindo a longa caminhada humana para a cultura da democracia, ajudada pela ética do diálogo. O diálogo como componente educativo faz parte da tradição grega, presente nos exercícios filosóficos de Platão, por meio de seus conhecidos ´diálogos`4. Compõe igualmente, nos dias de hoje, o cerne do pensamento harbemasiano, constituindo-se ainda no elemento ético básico de toda a formulação e exercícios educativos freireanos. Como um exercício teórico, torna-se prático na educação, tendo sua relevância como um projeto político-filosófico por meio da ação educativa, marcantemente, em processos de educação popular. É mais que conhecido o limite da natureza e da inteligência de cada pessoa, impossibilitando a visão global de tudo, sozinha. Mas cada um pode se comunicar e tomar conhecimento das idéias e sentimentos, sofrimentos, divergências e perspectivas dos demais, contribuindo para a discussão ou de momentos educativos de ensinamentos e de aprendizagens. O diálogo, como uma capacidade humana de perguntar e responder ao outro, assegura essa possibilidade. Tudo isto, formando um grande painel de exercícios possíveis pelas metodologias participativas, não enaltecendo o que ensina (o professor), mas aquele que coordena as atividades de docência, promovendo a prática do diálogo. O diálogo é a condição essencial da tarefa de um coordenador que se afirma sem imposição e cuja condição de aprendizagem associa-se à tomada de consciência da situação vivida pelo educando, adquirindo sentido na história dele mesmo. Técnicas participativas e material didático 5 Acompanhando a discussão sobre as tantas possibilidades, várias são as técnicas utilizadas em educação popular que ajudam na promoção desses princípios em direitos humanos, a serem veiculados na escola e no interior da própria sala de aula ou mesmo em ambientes onde aconteçam exercícios educativos. Como primeiro passo, sempre é importa...