Quem quebrou a imagem de Nossa Senhora Aparecida

A imagem de Nossa Senhora Aparecida foi encontrada por pescadores no rio Paraíba, no interior de São Paulo, e é considerada símbolo da fé católica no país. Mas poucos sabem que essa imagem sofreu um atentado e foi quebrada em mais de 200 pedaços. O atentado aconteceu em 16 de maio de 1978, na Basílica Velha em Aparecida do Norte (SP). Os fiéis que participavam da missa das 20h não imaginavam que estavam prestes a vivenciar uma “tragédia religiosa”.

Durante a missa, um jovem aparentemente transtornado, avançou em direção à imagem de Aparecida próxima ao altar. Ele saltou até o cofre de vidro onde estava a imagem e na terceira tentativa, quebrou o vidro e retirou a imagem. Correu até a rua e apesar de ser alcançado por um guarda, conseguiu lançar a imagem ao chão. A imagem se quebrou em pedaços. O suspeito foi detido e tratado como doente mental. 

Essa história foi registrada em diários de padres e na memória dos fiéis da cidade. Também o jornalista Rodrigo Alvarez a escreveu no seu livro intitulado: “Aparecida: a biografia da santa que perdeu a cabeça, ficou negra, foi roubada, cobiçada pelos políticos e conquistou o Brasil”. 

No tocante ao episódio da imagem quebrada, Rodrigo Alvarez, conta que ela foi reconstruída. “Nem dá para chamar de restauração, foi uma reconstrução. Nossa Senhora teve que ser refeita. Ela não tinha pequenos defeitos, problemas de pintura ou um nariz quebrado. Ela não existia mais”.

Reconstrução da imagem

Depois da imagem ser quebrada, a Igreja pensou que o restauro pudesse ser realizado no Vaticano, mas o trabalho acabou sendo realizado no Brasil pela escultora, pintora, restauradora, desenhista e ilustradora brasileira, Maria Helena Chartuni, hoje com 78 anos, que na época trabalhava no Museu de Arte de São Paulo (Masp). “Ela estava toda quebrada em uma caixinha. O que eu senti na hora não foi nada agradável, foi uma espécie de pânico. Pensei: o que eu vou fazer agora? Aí, falei a ela: a senhora me colocou em um problemão e precisa me ajudar a sair dele”.

O processo de restauração foi cauteloso e para ter maior velocidade, Maria Helena empregou uma cola especial, com fixação mais rápida. Em 33 dias interruptos de trabalho a imagem foi reconstruída. E aquelas partes que, literalmente, faltaram, como, por exemplo, detalhes da cabeça, foram reconstituídas e coincididas às demais partes.

Após o trabalho concluído, a imagem de Nossa Senhora voltou à cidade de Aparecida em um cortejo do Corpo de Bombeiros, em 19 agosto de 1978. Na ocasião, milhares de fiéis acompanharam o trajeto pela Rodovia Presidente Dutra. “Foi um verdadeiro corredor humano até Aparecida. Foi a coisa mais emocionante que eu vi. Não foi marketing, foi uma explosão de fé verdadeira. Com toda emoção que houve, começou a cair minha ficha e tive o sentimento de dever cumprido. Certamente restaurou minha fé, e abençoou muito meu trabalho. Foi a restauração mais importante que fiz na vida”, afirmou Maria Helena.

Restauração da fé 

Atualmente, há 43 anos do ocorrido e três séculos após ser encontrada no rio Paraíba, a imagem da Padroeira do Brasil segue exposta no Santuário Nacional de Nossa Senhora Aparecida, em Aparecida do Norte. A imagem que se dividiu em centenas de pedaços voltou a ser uma só, bem como a fé de milhares de fiéis que tiveram suas vidas espiritual restauradas e unidas a Jesus Cristo, através da intercessão da Imaculada Conceição de Aparecida. E como testemunho pessoal, compartilho que minha fé, vocação e missão foram restauradas durante as comemorações dos 300 Anos de Aparecida, especificamente quando tomei contato pela primeira vez com essa história da restauração da imagem. 

Estava numa fase bem difícil de minha vida e num determinado momento do dia, trocando de canais na TV, me deparei com uma entrevista da artista plástica Maria Helena, que contava sobre o atentado contra a imagem e o processo de restauração. Assim, também, no ano de 2017, a minha vocação e missão começou a ser restaurada.  

O Brasil é um país laico, ou seja, sem uma religião oficial. A própria Constituição Federal assegura e protege a liberdade de crença e a realização de cultos. Mas há 26 anos, quem acompanhava o programa "Palavra de Vida", na Record, viu o bispo da Universal Sérgio Von Helder chutar a imagem de Nossa Senhora Aparecida.

O programa era exibido no dia 12 de outubro, dia da padroeira do Brasil e feriado católico no país. O bispo desferiu chutes na estátua da santa tentando mostrar que era um objeto, sem teor religioso e usado para ganhar dinheiro dos fiéis — nas palavras dele.

Membro da Igreja Universal, o pastor desferiu ataques contra a Igreja Católica. A repercussão foi imediata e chegou até ter matéria exibida no "Jornal Nacional", da TV Globo, nos dias seguintes.

Bispo acusava Igreja Católica de retirar dinheiro de fiéis Imagem: Reprodução/YouTube

Mas antes, como contou o colunista do UOL Ricardo Feltrin, foi uma saga para achar uma empresa que teria gravado a cena, já que era feriado. Ele e outros jornalistas do extinto "Folha da Tarde" foram à caça das imagens.

Com a pressão pelo ato, Von Helder foi enviado aos Estados Unidos e para países da América Central, tentando o anonimato após a repercussão dos seus ataques e por receber ameaças. Hoje, ele grava vídeos de pregações em sua página do Facebook e não está vinculado a nenhuma igreja.

"Um chute no estômago"

O caso já foi tratado por Edir Macedo, líder da Universal, como "um chute no estômago". Em suas autobiografias, o bispo Edir Macedo admite que esse foi o maior erro que sua igreja cometeu — na época, a Universal chegou a pedir desculpas —, mas seu filme mostra a versão da história com a sua igreja sendo vítima.

Mesmo com a imagem de Nossa Senhora Aparecida e a fé dos católicos, maioria do povo brasileiro de acordo com o DataFolha, sendo agredida.

O bispo Edir Macedo, líder da Igreja Universal do Reino de Deus Imagem: Danilo Verpa/Folhapress

Segundo reportagem do jornal Folha de S. Paulo, ainda em 1995, Von Helder lançaria um livro em que dizia não ter sido ético ao "tocar" a santa — ele não nomeou os ataques como chutes, o que ele de fato fez.

Livro sobre o caso e apoio a Bolsonaro

Fato é que Helder tem uma obra chamada "Um Chute na Idolatria", passou anos fora do Brasil e chegou a romper com a Universal. Em 2014, jornais brasileiros noticiaram a volta do pastor ao Brasil marcado pelo ataque intolerante.

Ele fez parte da Igreja da Restauração, criada nos Estados Unidos pelo bispo Angelo Barbosa, também dissidente da Universal de Edir Macedo.

Em 2018, Von Helder gravou um vídeo apoiando o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), na época ainda candidato, e criticando Fernando Haddad (PT). Na ocasião, ele disse que o PT era a "personificação do diabo".

"Porque nós estamos em uma situação onde o diabo quer imperar no Brasil através do PT. As pessoas estão crendo no diabo através do PT. O Bolsonaro sozinho está revolucionando o mundo", disse ele. "Esse safado, canalha, desgraçado do Haddad está se fazendo de cristão."

Até ano passado, Sérgio von Helder estava morando por aqui e era missionário de outra igreja evangélica. Questionado pelo UOL se está no Brasil e vinculado a alguma igreja evangélica, Von Helder disse que não.

Ao menos dois perfis no Facebook divulgam vídeos do pastor com pregações em lives. Um deles tem endereço da cidade de Jefferson, no estado da Geórgia, nos Estados Unidos, e anunciava um seminário com a imagem de um pastor chutando — assim como o ataque intolerante feito por Sérgio há 26 anos.

O bispo não respondeu à reportagem qual o intuito do seminário "Um Chute na Idolatria" e se exibe o ataque feito nas aulas. Ele também não respondeu se tem arrependimento de ter chutado a imagem de nossa Senhora Aparecida.

Dados do Brasil

Em 2020, o UOL mostrou que dados mais recentes do Ministério dos Direitos Humanos através do Disque 100, entre 2015 e 2017, mostravam católicos e protestantes como 1,8% e 3,8% das vítimas em denúncias de intolerância religiosa, respectivamente — desmentindo o discurso do presidente Jair Bolsonaro de que o Brasil sofre de "cristofobia".

As denúncias relativas a fiéis do candomblé e da umbanda somavam 25% do total.

Estudo publicado pelo CCIR (Comissão de Combate à Intolerância Religiosa) apontava que dos 1.014 atendimentos realizados pelo Centro de Promoção da Liberdade Religiosa & Direitos Humanos (CEPLIR) no Rio de Janeiro, entre abril de 2012 e agosto de 2015, 71% foram relacionados a denúncias feitas por candomblecistas e umbandistas, 8% por evangélicos e 4% por católicos.

Ritual de candomblé Imagem: Eduardo Knapp/Folhapress

12/10/2014 08h41 - Atualizado em 12/10/2014 09h36

Imagem de Nossa Senhora Aparecida sofreu atentado em 1978.História está presente no livro do jornalista Rodrigo Alvarez.

Daniel CorráDo G1 Vale do Paraíba e Região

Quem quebrou a imagem de Nossa Senhora Aparecida
Após atentado, imagem ficou quebrada em mais de 200 pedaços e precisou ser restaurada.

(Foto: Arquivo Pessoal/ Maria Helena Chartuni)

Nem todo mundo sabe, mas a imagem de Nossa Senhora Aparecida, a que foi encontradada por pescadores no rio Paraíba e é considerada símbolo da fé católica no país, já sofreu um atentado que a quebrou em mais de 200 pedaços. 'Salva' após restaurações, atualmente ela é protegida por um nicho e atrai mais de 10 milhões de devotos por ano ao Santuário Nacional de Aparecida, no interior de São Paulo.

O atentado à imagem da Padroeira do Brasil aconteceu em 16 de maio de 1978 na Basílica Velha em Aparecida. Enquanto a missa das 20h era celebrada, os fiéis não poderiam imaginar que estavam prestes a vivenciar uma “tragédia religiosa”.

Durante a missa, um jovem visivelmente transtornado, avançou em direção à Santa no altar. Saltou a uma altura de dois metros até o cofre de ouro com frente de vidro onde estava a imagem. Na terceira tentativa, a força do “possesso” deixou os vidros em estilhaços e Nossa Senhora foi tirada do altar. O homem correu até a rua e apesar de ser alcançado por um guarda, consegui lançar Nossa Senhora ao chão. A imagem quebrou em centenas de pedaços. O suspeito foi detido e tratado como doente mental. Já a imagem da Santa, naquela altura, tinha seu futuro incerto. 

A história está registrada em diários de padres e memórias de católicos da cidade. Agora, também volta à tona pelas mãos do jornalista Rodrigo Alvarez, correspondente da TV Globo em Jerusalém e autor do livro “Aparecida: a biografia da santa que perdeu a cabeça, ficou negra, foi roubada, cobiçada pelos políticos e conquistou o Brasil”, em que são relatados casos curiosos ligados a Padroeira.

Neste episódio em que a imagem é quebrada, ele conta que foi necessário reconstruí-la. "Nem dá para chamar de restauração, foi uma reconstrução. Nossa Senhora teve que ser refeita. Ela não tinha pequenos defeitos, problemas de pintura ou um nariz quebrado. Ela não existia mais”, afirma Rodrigo Alvarez.

Quem quebrou a imagem de Nossa Senhora Aparecida
Artista plástica Maria Helena Chartuni durante o trabalho de restauro da imagem.

(Foto: Arquivo Pessoal/ Maria Helena Chartuni)

Restauraçãoe homenagens Depois da imagem ser quebrada, a Igreja cogitou que o restauro fosse no Vaticano, mas o trabalho acabou sendo feito pela artista plástica brasileira Maria Helena Chartuni, hoje com 71 anos, e que na época trabalhava no Museu de Arte de São Paulo (Masp). “Ela estava toda quebrada em uma caixinha. O que eu senti na hora não foi nada agradável, foi uma espécie de pânico. Pensei: o que eu vou fazer agora? Aí, falei à ela: a senhora me colocou em um problemão e precisa me ajudar a sair dele”, conta a restauradora. O processo de revitalização foi minucioso e para ter maior agilidade, Maria Helena utilizou uma cola especial, com fixação mais rápida. Foram 33 dias interruptos de trabalho reorganizando a escultura da santa. As partes que faltaram, como detalhes da cabeça, por exemplo, foram reconstituídas e igualadas às demais.

Após os trabalhos, Nossa Senhora voltou à Aparecida em um cortejo do Corpo de Bombeiros em 19 agosto de 1978. Na ocasião, milhares de fieis acompanharam o trajeto pela via Dutra. “Foi um verdadeiro corredor humano até Aparecida. Foi a coisa mais emocionante que eu vi. Não foi marketing, foi uma explosão de fé verdadeira. Com toda emoção que houve, começou a cair minha ficha e tive o sentimento de dever cumprido. Certamente restaurou minha fé, e abençoou muito meu trabalho. Foi a restauração mais importante que fiz na vida”, afirma a artista.

Quem quebrou a imagem de Nossa Senhora Aparecida
Fiéis acompanham retorno da imagem para 
Aparecida. (Foto: Divulgação/ Portal A12)

Na volta da Padroeira ao Santuário Nacional, cerca de 100 mil pessoas foram à Aparecida para homenagear a Santa em uma cerimônia que também contou com apresentação de Renato Teixeira, compositor da canção “Romaria”. “Me emocionei ao cantar 'Romaria' para aquela multidão. A imagem é como se fosse um totem nacional. É agregadora e tem uma espiritualidade brasileira ímpar”, recorda o cantor. Pouco depois da volta, a imagem passou por um novo processo de restauração. Descontente com a cor da escura da Santa, o reitor do Santuário, padre Izildo Santos, a escondeu em um quarto por vários dias seguidos para retocá-la. Alterou os traços do olho direito da Padroeira e deu a ela o tom de canela. Abandonou Aparecida antes que percebessem a mudança e, novamente, pouco depois, Maria Helena foi chamada para 'salvar' a imagem de Nossa Senhora novamente.

Hoje, quase 40 anos após o ocorrido e três séculos após ser encontrada no rio Paraíba, a Padroeira segue exposta no Santuário. A Santa que já se dividiu em centenas de pedaços voltou a ser uma só.