Observe essa charge de 1879 com atenção é o índio que está deitado na tartaruga, quem é

O aumento da circulação de jornais e panfletos a partir de 1808 contribuiu para a difusão das caricaturas e charges. Com o aperfeiçoamento tecnológico das oficinas gráficas, na segunda metade do século XIX, os desenhos humorísticos estiveram ainda mais presentes na imprensa brasileira. Eles ocupavam, em geral, o rodapé ou as margens dos jornais. O aparecimento das revistas humorísticas, a partir de 1860, deram destaque às charges que passaram a ocupar a capa dessas publicações.

CONTEÚDO

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O que é caricatura e charge

A palavra caricatura deriva do latim caricature, que significa “carregar com exagero”. Trata-se de uma forma de arte expressa basicamente através do desenho de humor. Por meio de traços físicos exagerados e de cenas cômicas ou ridículas, a caricatura satiriza tipos sociais e situações políticas ou do cotidiano. Assim, o caricaturista é ao mesmo tempo um humorista e um crítico.

O termo confunde-se com charge, do francês, significando “carga”, referência ao exagero dado aos traços fisionômicos de alguém. Segundo alguns especialistas, a charge é uma forma de caricatura que satiriza ou critica um acontecimento ou pessoa pública (um político ou um artista, por exemplo).

Caricaturistas brasileiros

No século XIX, dois nomes se destacaram como caricaturistas no Brasil: Agostini e Faria.

O ítalo-brasileiro Ângelo Agostini (1843-1910) é considerado um dos mais importantes chargistas brasileiros. Começou a trabalhar em São Paulo onde fundou as revistas Diabo coxo e Cabrião. Mudou-se depois para o Rio de Janeiro onde fundou e manteve, de 1876 a 1891, a Revista Illustrada.

O sergipano Cândido Aragonez de Faria (1849-1911), que assinava seus trabalhos como Faria, foi outro grande caricaturista. Em 1869, fundou o jornal O Mosquito (1869), no Rio de Janeiro, onde publicou suas charges. Colaborou com diversos jornais satíricos no Brasil e na Argentina, até se mudar definitivamente para Paris, em 1882. Além destes, outros nomes da caricatura da época são: Pinheiro Guimarães, Aurélio de Figueiredo, Antônio Augusto do Vale e Pedro Américo.

Os caricaturistas faziam seus desenhos a lápis e a bico de pena que, mergulhado na tinta nanquim, permitia fazer traços finos e grossos dando volume ao desenho.

Leitura crítica da caricatura

Como toda análise iconográfica, a leitura da caricatura deve começar pela contextualização da imagem: identificar a data, discutir o momento em que foi produzida e para quem foi destinada. O nome do jornal ou da revista onde a caricatura foi publicada indica o tipo de publicação, se estava ligada à oposição ou ao governo.

Em seguida, partir para a interpretação de seus sentidos observando seus detalhes e os textos que a acompanham (título, legendas, diálogos etc.). Alguns elementos serviam para identificar as figuras: cartola e casaca para os ministros, coroa para o rei, barrete frígio para os liberais, figura do índio simbolizando o país etc. Interessante observar, também, elementos típicos da época como a ortografia, expressões e gírias, nomes da moeda (mil-réis, pataca etc).

Alguns cuidados precisam ser tomados na apreciação das charges. Como bem coloca o professor Marcelo da Silva Araújo:

O primeiro cuidado é que, por vezes, ela porta uma ideologia implícita com o objetivo de convencer e influenciar. Cabe ao professor saber estimular a autonomia do aluno, dando-lhe liberdade na realização de seu trabalho, mas orientando a formação de sua opinião. (…)

O segundo cuidado é controlar um hábito comum entre os alunos: a tendência prévia de criticar. No exemplo do “Parlamentarismo às avessas”, é preciso que o professor explique que estratégias políticas de alinhamento ou conciliação não resultam unicamente da vontade de quem governa, mas sim do exercício conjuntural da política e do poder, frequentemente envolvendo muito mais agentes do que aqueles que aparecem na cena principal. Assim, o professor chama a atenção para o que está além do representado na charge, potencializando a capacidade analítica do aluno. (Araújo, 2013).

Charges para analisar

As quatro charges abaixo foram publicadas em jornais da segunda metade do século XIX. Por meio de ironia e humor, elas criticam o parlamentarismo e o sistema partidário e eleitoral do Segundo Reinado.

Elas estão acompanhadas de uma descrição em áudio e texto que auxiliam na sua interpretação e análise.

Para fazer download das charges, inscreva-se abaixo.

Material do download

  • 4 charges, cada uma acompanhada de questões (4 páginas).
  • As charges são as mesmas comentadas abaixo.
  • As respostas estão no final desse artigo.

1. Charge “Bazar eleitoral”

Observe essa charge de 1879 com atenção é o índio que está deitado na tartaruga, quem é

“Bazar eleitoral”, charge de Ângelo Agostini, publicada em “O Cabrião”, 1867.

ÁUDIO COM DESCRIÇÃO DA CARICATURA

TRANSCRIÇÃO

Na loja improvisada, vendem-se cédulas eleitorais (votos), porretes, revolveres, espadas e rifles. Para os compradores interessados, o cartaz informa que, neste “bazar eleitoral”, “não se fia”, isto é, não há crédito.

As armas à venda na charge, mostram o clima de violência das eleições da época do segundo reinado, confirmada pela frase “não se fia”, isto é, o processo eleitoral não é confiável. Havia roubos de urnas, falsificação de votos e espancamentos de eleitores como ocorreu no célebre episódio das “eleições do cacete”, em 1840.

A charge demonstra também a prática da compra de votos comum neste período do segundo reinado. Note as caixas de cédulas com seus respectivos preços e destinatários, inclusive para votos em branco.  De acordo com a Constituição de 1824, as eleições eram indiretas e o voto era censitário e masculino

Questões para os alunos:

  1. O que está sendo vendido neste “Bazar eleitoral”?
  2. Quem poderia ser o indivíduo de cartola e casaca?
  3. Que sátira o caricaturista faz das eleições do Brasil monárquico?
  4. O que isso faz pensar?
  5. Como era o voto na época?

2. Charge “Carrossel partidário”

Observe essa charge de 1879 com atenção é o índio que está deitado na tartaruga, quem é

“O rei se diverte”, charge de Faria, publicada no jornal “O Mequetrefe”, 9/1/1878.

ÁUDIO COM DESCRIÇÃO DA CARICATURA

TRANSCRIÇÃO

O caricaturista desenhou Pedro II como o eixo de um carrossel no qual giram os cavalinhos. Na barra do vestido da dama no cavalinho, lê-se “Partido Liberal”. Em oposição, o homem da charge representa o Partido Conservador. Quem gira o carrossel é uma idosa em cujo vestido está escrito “diplomacia”.

Tal como um carrossel, os partidos políticos giravam, isto é, revezavam-se no poder ao redor de D. Pedro II, o eixo central, e de acordo com o ritmo da diplomacia imperial, uma velha conhecida, maliciosa e espertalhona. A diplomacia se limitava a uma troca de favores e de distribuição de títulos, cargos e pensões.

Questões para para os alunos:

  1. Que brinquedo lembra essa imagem?
  2. Quem seria a figura com coroa? O que ela faz?
  3. O que representam as figuras do homem, da mulher jovem e da idosa?
  4. O que esta charge informa sobre a política partidária da época?
  5. Por que o desenhista usou a imagem de um carrossel?
  6. O que significaria o título da charge?
  7. Que impressão nos dá o sorriso da idosa: sinceridade ou malícia, bom-senso ou esperteza?
  8. O que isso poderia significar?

3. Charge “Balcão de negócios”

Observe essa charge de 1879 com atenção é o índio que está deitado na tartaruga, quem é

“Pobre país! A corrupção alimenta a vaidade, para dar vida ao patriotismo!” – é a legenda da charge de Ângelo Agostini, publicada em “O Cabrião”, 1867.

ÁUDIO COM DESCRIÇÃO DA CARICATURA

TRANSCRIÇÃO

Carregando sacos de dinheiro, clientes compram medalhas e títulos de nobreza que estão expostas na vitrine atrás do balcão. O vendedor na charge é o primeiro-ministro, observado pelo imperador, atrás dele. Aos pés deste, um indígena, símbolo da nação brasileira, esconde o rosto entre as mãos. A charge possui a seguinte legenda: “Pobre país! A corrupção alimenta a vaidade, para dar vida ao patriotismo!”.

A venda de comendas (títulos de nobreza, cargos políticos e pensões para políticos e seus filhos), feita sob anuência do imperador, era uma forma de manipulação política e de aumentar as receitas do governo no segundo reinado. Para isso, não se obedeciam critérios de competência, mas o interesse em se obter vantagens materiais – fato que deixa a nação (representada pelo indígena) prostrada de vergonha.

Questões para os alunos:

  1. Descreva a imagem e identifique as figuras.
  2. Segundo a charge, qual era o critério para a obtenção de comendas?
  3. Qual seria a intenção do autor em retratar um indígena encolhido e com o rosto coberto?
  4. Explique a legenda da charge

4. Charge “Manipanso imperial”

Observe essa charge de 1879 com atenção é o índio que está deitado na tartaruga, quem é

“Manipanso imperial”, charge de Faria, publicada no jornal “O Mequetrefe”, 10/1/1878.

ÁUDIO COM DESCRIÇÃO DA CARICATURA

TRANSCRIÇÃO

Manipanso é uma palavra de origem quicongo para designar um ídolo africano que representa o ancestral de um clã. É usada também para chamar um indivíduo muito gordo. Nesta charge, d. Pedro II foi representado como um manipanso, sentado sobre uma almofada em um tablado alto sendo adorado por políticos como uma divindade exótica com vários braços e tendo, no pescoço, crânios como colar. Seu semblante transmite serenidade e imparcialidade que contrasta com os braços musculosos. Suas mãos seguram firmemente as pastas ministeriais. A seus pés, políticos o adoram.

A charge faz uma crítica ao governo centralizador e autoritário de D. Pedro II que detinha todos os poderes. Era o imperador quem nomeava os principais cargos políticos, representados pelas pastas que ele segura. O nome da charge, “manipanso imperial” faz  alusão à monarquia como forma de governo antiquada. Na época do segundo reinado, ganhava força a campanha republicana.

Questões para os alunos:

  1. Quem representaria a figura principal?
  2. O que significam as pastas em suas mãos?
  3. Como os políticos se dirigem ao imperador?
  4. O que isso pode significar?
  5. Que crítica o caricaturista faz sobre o poder imperial no Segundo Reinado?

Respostas das questões

1. Charge “Bazar eleitoral”

  1. Cédulas eleitorais (votos), porretes, revolveres, espadas e rifles.
  2. Um candidato a deputado ou a senador.
  3. As armas à venda no bazar eleitoral mostram o clima de violência das eleições da época, confirmada pela frase “não se fia”, isto é, o processo eleitoral não é confiável. As chamadas “eleições do cacete”, ocorridas em Minas Gerais e São Paulo, em 1842, são exemplo desse cenário político.
  4. As eleições eram marcadas por violência com espancamentos, roubos de urnas, falsificação de votos o que motivava a venda de armas. Além disso, a venda de votos era uma prática comum nesse período.
  5. No período imperial, as eleições eram indiretas e o voto era censitário, isto é, para ter o direito de voto era preciso comprovar uma condição econômica satisfatória.

2. Charge “Carrossel partidário”

  1. Um carrossel com cavalinhos de madeira e outras figuras que ficam girando e que servem de assento. Brinquedo típico de parques de diversões.
  2. O imperador D. Pedro II. Ele é o eixo central do carrossel que mantêm o equilíbrio dos “cavalinhos”.
  3. O homem representa o Partido Conservador e a mulher o Partido Liberal (está escrito na barra de seu vestido). A idosa representa a diplomacia, isto é, a política.
  4. Assim como um carrossel, os partidos políticos giravam (isto é, alternavam-se) no poder ao redor de D. Pedro II, o eixo central, e de acordo com o ritmo da diplomacia imperial.
  5. Para simbolizar a alternância no poder.
  6. “O rei se diverte”, título da charge, sugere que o imperador dispunha dos partidos conforme lhe agradasse ou lhe fosse conveniente no momento.
  7.  Uma velha maliciosa e espertalhona, não confiável.
  8. Que a política era feita na base da troca de favores e de distribuição de títulos, cargos e pensões feitas em benefícios pessoais, sem considerar os interesses coletivos da nação.

3. Charge “Balcão de negócios”

  1. É uma loja que vende medalhas e títulos de nobreza. Os clientes, carregando saco de dinheiro, são atendidos por um funcionário (primeiro-ministro) e atrás dele, vigiando o “negócio”, está o imperador D. Pedro I.  Um índio, atrás do balcão, esconde o rosto com a mão.
  2. O governo não seguia critérios de competência ou merecimento para distribuir comendas (medalhas e títulos), mas interesse em obter vantagens materiais.
  3. O indígena representa a nação, o povo brasileiro, que sente vergonha dessas negociatas.
  4. “Pobre país! A corrupção alimenta a vaidade, para dar vida ao patriotismo”, diz a legenda, significando que o patriotismo, não era um legítimo sentimento de devoção e lealdade ao país pois era alimentado pela corrupção.

4. Charge “Manipanso imperial”

  1. O imperador D. Pedro II.
  2. São as pastas ministeriais, isto é, os ministérios e os cargos de ministros cujos ocupantes são nomeados por ele.
  3. Fazendo reverências e gestos de adoração, como se o imperador fosse uma divindade.
  4. Que os ministros bajulavam o imperador para obter cargos e títulos.
  5. Uma monarquia centralizadora e autoritária que detinha todos os poderes. Era o imperador quem nomeava os principais cargos políticos (representados pelas “pastas” que ele segura fortemente).

Fonte

  • ARAÚJO, Marcelo da Silva. Era uma vez uma imagem. Revista de História.
  • Historia de la caricatura. Portal Clio.
  • FLORES, Onici Claro. A leitura da charge. Canoas: Editora da ULBRA, 2002.
  • LEMOS, Renato (org). Uma história do Brasil através da caricatura. Rio de Janeiro: Bom Texto, Letras e Expressões, 2001.
  • LINARES, Alcy. Vida de artista. Humor, Cartuns, Charges e Ilustrações. São Paulo: Devir Livraria, 2005.
  • SILVA, Daniela Cardoso da. Humor e ensino: J. Carlos e a caricatura no Ensino de História. Revista Brasileira de História & Ciências Sociais.
  • SODRÉ, Luiz Guilherme Teixeira. Sentidos do humor, trapaças da razão, a charge.  Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 2005.
  • VERGUEIRO, Waldomiro. O humor gráfico no Brasil pela obra de três artistas: Ângelo Agostini, J. Carlos e Henfil. Revista USP, São Paulo, n.88, p. 38-49, dez-fev 2010-2011.