Natal na Segunda Guerra Mundial curiosidades

24/12/2012 16h55 - Atualizado em 24/12/2012 20h53

Posição geográfica da capital potiguar atraiu tropas americanas em 1942.
Ocupação acelerou o desenvolvimento local e mudou a sociedade.

Natal na Segunda Guerra Mundial curiosidades
Presidentes Rossevelt e Getúlio Vargas em Natal (Foto: Acervo Fundação Rampa)

No dia em que o mundo cristão celebra o nascimento de Jesus Cristo, a capital potiguar comemora aniversário. Por isso foi batizada de Natal. Nesta terça-feira, 25 de dezembro, a cidade completa 413 anos. Para relembrar um dos fatos históricos mais importantes da cidade, o G1 preparou uma reportagem especial sobre a participação de Natal na Segunda Guerra Mundial.

A cara de Natal mudou em 1942. A chegada das tropas norte-americanas à capital potiguar trouxe também dinheiro e desenvolvimento. Em troca, a cidade cedeu sua posição geográfica considerada estratégica para o poderio militar dos EUA. Afinal, na América do Sul, Natal é o ponto mais próximo dos continentes europeu e africano.

"Os EUA precisavam de um local de onde pudessem decolar com segurança. Um ponto de apoio que permitisse abastecer e seguir direto para a África", explicou o professor de história Luís Eduardo Suassuna, ou simplesmente professor Coquinho, como é mais conhecido.

Foi por suprir esta necessidade que Natal, e não Parnamirim, se transformou no 'Trampolim da Vitória' para os EUA. Os aviões vinham deste país, abasteciam em Natal e ficavam prontos para fazer a travessia do Atlântico rumo ao continente africano. "Muita gente pensa que este termo 'Trampolim da Vitoria' se refere a Parnamirim. Mas o município nem existia naquela época. A Parnamirim de hoje era um distrito de Natal, que só foi emancipada em 1950", recordou Coquinho.

Um aeroporto com uma média de 200 voos diários, avenidas asfaltadas e a Base Naval do Alecrim foram marcas importantes do período. Mas, outras coisas menos relevantes, contudo muito apreciadas, também surgiram com a presença dos soldados americanos. Natal foi a primeira cidade brasileira a ter coca-cola, ketchup, óculos de aviador e calças jeans. Os natalenses também adicionaram ao idioma nativo expressões da língua inglesa, como o 'ok' e o 'bye-bye'.

"O modo de vida americano foi penetrando na capital potiguar. O costume de fazer a barba com frequência, o hábito de tomar refrigerante, mascar chiclete. Tudo isso foi incorporado a nossa cultura. E daqui foi disseminado para o resto do país", afirmou o professor.

O acerto para o envio de tropas brasileiras ao continente europeu foi realizado em Natal no ano de 1943. Para isso, foi necessária a vinda do presidente dos EUA, Franklin Delano Roosevelt, e o do Brasil, Getúlio Vargas. Os dois circularam pela cidade, reconheceram mais uma vez a posição estratégica do lugar e acordaram como seria a parceria entre o Brasil e o bloco dos Aliados com a ida dos soldados brasileiros para a guerra.

Como existia o receio de que os alemães quisessem tomar Natal, exatamente pela localização privilegiada, os combatentes também precisavam tomar conta do litoral. O medo era de que os nazistas chegassem a Natal em submarinos.

Nesta época, cerca de 10 mil americanos se instalaram em Natal, cuja população era de aproximadamente 55 mil habitantes, segundo o estudo do professor Coquinho. "Este número não é exato. Mas, de fato, o grande volume de americanos aumentou a população local em cerca de 20%. É um percentual muito expressivo", disse Coquinho. O grupo de estrangeiros costumava gastar muito dinheiro em Natal. Isso incrementou o comércio natalense.

Natal na Segunda Guerra Mundial curiosidades
Garçom natalense servindo americanos
(Foto: Acervo Fundação Rampa)

Maria Boa

Surgiram os primeiros restaurantes, bares e cabarés. "Muita gente acha que o cabaré mais famoso da cidade, o de Maria Boa, surgiu nessa neste período. Mas não foi. Os americanos procuravam muito as mulheres no bairro da Ribeira. Alguns cabarés surgiram ali. A mão de obra especializada para as construções que passaram a ser erguidas na cidade vinha de fora, já que Natal não dispunha de marceneiros e pedreiros. A partir disso, novas profissões passaram a existir na capital potiguar.

Além de trazer a modernidade. As mulheres, por exemplo, começaram a adotar costumes americanos. Elas passaram a ir sozinhas ao comércio. Para o resto do país, as natalenses eram vistas como modernas. Embutindo nisso um certo tom de crítica. "Algumas casaram com  americanos e deixaram para trás o país. Os registros de Câmara Cascudo apontam que cerca de 32 mulheres casaram com norte-americanos", enfatizou Coquinho.

black-outs

Mas nem só de romances e novos costumes viveu a cidade. O clima de guerra também se espalhou por Natal. Os natalenses conviviam com o black-out, momento de apagar as luzes. A população tinha que ficar na escuridão, todas as noites, a partir de uma hora determinada. A medida fazia parte da estratégia de proteção militar.

"Caso os alemães invadissem a cidade, estaria tudo escuro, impedindo a circulação deles por aqui. As pessoas não acendiam nem vela. Todo mundo tinha medo", afirmou Coquinho. A ameaça de invasão a Natal era muito presente, uma vez que a posição da cidade seria de suma importância para a Alemanha. Prevendo isso, os americanos alertaram o povo sobre o toque da sirene. Se ela soasse, significaria que os nazistas haviam invadido a cidade.

"A sirene só tocou uma vez e foi um grande desespero. Famílias se esconderam de baixo da cama. Tiveram até casas onde foram construídos cômodos subterrâneos. Onde atualmente funciona o hospital particular Papi, no bairro do Tirol, havia uma dessas casas com a presença de abrigos antiaéreos. Tudo para se proteger contra os nazistas. Felizmente não foi preciso. O toque da sirene fazia parte de um treinamento militar", pontuou Coquinho.

Com o fim da guerra, em 1945, a crise financeira se instalou na cidade. Mas, restou a modernidade e a estrutura deixada pelos anos de investimentos americanos. Além das lembranças dos dias de prosperidade. Momentos eternizados na história de Natal e nos álbuns de fotografias dos americanos.

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Álbum de um marinheiro que passou por Natal na Segunda Guerra Mundial  (Foto: Augusto Maranhão)

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Museu em Natal é gerido por Daliana Cascudo, neta do jornalista Câmara Cascudo - Foto: Setur RN/Divulgação

Natal não é apenas sol, praia e dunas. A cidade guarda muitas histórias e curiosidades ao longo dos seus mais de 400 anos. Por sua localização estratégica, facilitando deslocamentos para África e Europa, a capital potiguar foi base de tropas norte-americanas durante a Segunda Guerra Mundial. No começo de 2020, a cidade vai inaugurar o Complexo Cultural da Rampa, museu que contará um pouco sobre a aviação e a participação de Natal no conflito mundial. Rampa é uma antiga estação de passageiros e de transporte de correspondências utilizada como base para receber hidroaviões. Seu posicionamento privilegiado a tornou de imenso valor durante o transcorrer da Segunda Guerra, quando veio a se tornar a primeira base a operar missões da guerra na América do Sul.

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- Foto: Giovanni sérgio/setur RNFoi ali que se registrou uma das fotos mais emblemáticas da história do Brasil. O encontro em janeiro de 1943 entre o presidente norte-americano Franklin Delano Roosevelt e o presidente brasileiro Getúlio Vargas. “Esse prédio histórico está sendo reformado, onde teremos não só um museu, mas um bistrô. Uma nova construção que vai fazer parte do complexo vai abrigar um auditório e um espaço para exposições”, revela a secretária de Turismo do RN, Aninha Costa. Ela acrescenta que a Segunda Guerra Mundial foi um momento importante para a cidade e o estado e deixou marcas na história, costumes e no desenvolvimento. “Natal foi a primeira cidade do país a ter Coca-Cola, jeans, ray-ban. A influência norte-americana ainda é forte. Temos uma praia chamada Miami, outra chamada Praia dos Artistas, já que os norte-americanos eram chamados de artistas e uma das gírias mais utilizadas pelos natalenses é boy”, explica.

Entre os aviadores que estiveram em Natal está o francês Antoine de Saint-Exupéry. Piloto da empresa de correio aéreo Aeropostale, ele esteve em algumas cidades brasileiras entre 1929 e 1930. Reza a lenda que o escritor ficou encantado com um centenário baobá que conheceu na capital do Rio Grande do Norte e o incluiu em seu livro mais famoso, O pequeno príncipe.

Referência em cultura

Historiador, antropólogo, advogado, escritor, folclorista e jornalista. Luís da Câmara Cascudo (1898-1986) é talvez a personalidade mais importante da cultura potiguar. Ele fez questão de morar a vida toda em Natal onde nasceu e morreu, chegando, inclusive, a recusar um convite do então presidente Juscelino Kubitschek para ser reitor da Universidade de Brasília (UnB). A casa onde ele morou por quase 40 anos é a sede do Instituto Câmara Cascudo, instituição privada mantida pela família e presidida por sua neta Daliana Cascudo. Além de livros, o acervo contempla coleções particulares de arte sacra, arte regional, etnografia indígena e africana.

O espaço preserva todos os ambientes, como quartos, sala de estar, de jantar, cozinha, com todos os móveis da época de Cascudo. Fotos de várias gerações da família também estão espalhadas pelo casarão, datado de 1900. A biblioteca traz raridades, como a máquina de escrever do historiador, da qual surgiram cerca de 200 obras e uma peculiaridade: assinaturas nas paredes e nas portas de visitantes ilustres, como o próprio JK, o maestro Heitor Villa-Lobos e políticos da região. É ali também que se encontra a imagem de São José de Botas, que segundo Câmara Cascudo era casamenteiro. “Vovô costumava dizer que a moça ou rapaz que passasse a mão na botinha dele, em um ano estava casado(a)”, assegura a neta. A repórter pagou pra ver. O Instituto também abriga um auditório e um quintal onde costumam ocorrer eventos e exposições. Antes mesmo de ser aberta à visitação pública, em 2009, a casa já era referência da cultura do Rio Grande do Norte. 

Um dos lugares que se tornaram atração turística recentemente é a Arena das Dunas, inaugurada para a Copa do Mundo de 2014. Foi ali que o craque uruguaio Luis Suárez deu a famosa mordida no zagueiro italiano Chiellini, no confronto entre Uruguai e Itália. Embora muitos criticassem o fato de construírem um estádio de porte internacional em Natal, uma cidade com pouca tradição no futebol, o espaço não se tornou um elefante branco. “Vários eventos têm acontecido dentro e fora da Arena das Dunas, além do fato de os camarotes serem utilizados como salas comerciais”, assegura o guia turístico Fagner Peixe. 

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