Em que hipóteses o juiz pode julgar antecipadamente o mérito

Quando se fala em fracionamento do julgamento de mérito, alguns pontos positivos e negativos sobressaem. Será mesmo que os pontos positivos superam os negativos?

Em que hipóteses o juiz pode julgar antecipadamente o mérito
É forte a convicção de que o julgamento parcial de mérito oferece agilidade na entrega jurisdicional e confere, por essa razão, efetividade prática ao processo, porque pode possibilitar de antemão a autoridade da coisa julgada.

A fragmentação desse julgamento incide sobretudo sobre as pretensões, ou seja, sobre o bem da vida perseguido e onde recai a atividade cognitiva.

O julgamento antecipado parcial de mérito (CPC, artigo 356) difere do julgamento antecipado do mérito (CPC, artigo 355), pois, enquanto o primeiro não encerra a resolução de todas as pretensões deduzidas, mas ao menos de uma delas, o segundo representa o desfecho da demanda e a extinção do processo.

Nesse contexto, a resolução parcial de mérito também é diferente da mera tutela provisória (CPC, artigo 294), porque a cognação de uma é provisória e a outra é exauriente, com a particularidade de não se abranger todo o processo, no tocante ao julgamento parcial de mérito, mas sim alguma pretensão. A principal característica é o juízo de certeza, que se confere a sentença parcial, e a solução definitiva que ela proporciona a ao menos um dos pedidos formulados.

O julgamento parcial de mérito ocorre quando houver mais de um pedido e esse ato de cisão do ato decisória constitui avanço para uma resolução imediata, especialmente em questões que não dependem de outras provas. Essa cindibilidade também se aplica ao meritum causae, quando se trata de pretensão divisível, ou pretensão baseada em várias causas de pedir.

Aliás, cada uma das causas de pedir, que são usadas como fundamentos da pretensão, pode merecer julgamento próprio, é como se, em última análise, cada causa de pedir encerrasse um fundamento específico para um mesmo pedido.

Essa dinâmica também é aplicável em se tratando de colitigante (litisconsórcio não unitário), porque o julgamento para cada um deles pode ser diferente, o que forma uma pretensão divisível, a ensejar o possível julgamento parcial de mérito próprio com análise peculiar de litisconsorte.

Em hipótese de ampliação objetiva do processo, com a reconvenção, é possível também falar-se em julgamento parcial de mérito, especialmente porque a cognação exauriente não precisa ser conjunta com a demanda originária.

Da mesma forma no chamamento ao processo (CPC, artigo 130), em que o demandado leva ao feito os demais corresponsáveis pelo débito, é possível a fragmentação de julgamento de cada um dos chamados.

O julgamento parcial de mérito tem a seu favor a possibilidade de transitar em julgado e ostentar a autoridade da coisa julgada (CPC, artigo 975), como referi antes, especialmente porque não tem dependência com a sorte de outros pedidos. É de se defender que a coisa julgada se forma tão logo exaure-se a possibilidade de recurso.

Por esse motivo também que a decisão parcial de mérito não pode ser alterada, depois de proferida, ainda que tenha sido combatida por agravo de instrumento, motivo pelo que é inaplicável o artigo 1.018, §2º, do CPC, e pode ser atacada por ação rescisória.

A resolução parcial de mérito também é aplicável nos tribunais, ainda que não seja o objeto delimitado no recurso, porque embora o efeito devolutivo represente obstáculo pelo capítulo impugnado, pode haver um efeito expansivo quando a causa estiver madura e for possível a resolução de mérito.

Com o trânsito em julgado da decisão de mérito, e sem nenhuma relação com as demais pretensões, o cumprimento de sentença é definitivo e independe de caução (CPC, artigo 356, § 2º) para seu respectivo aparelhamento, a única ressalva é em relação a ato expropriatório (CPC, artigo 520, IX).

Por outro lado, em potencial crítica ou ponto negativo ao julgamento antecipado parcial de mérito, é possível ressaltar a própria crítica terminológica, porque ao se referir "julgamento antecipado parcial" pode transmitir uma ideia de deslocamento do momento "normal".

Ocorre que o momento adequado é aquele em que, ultrapassadas as garantias constitucionais e as probatórias para formação do juízo de certeza, pode-se conferir uma cognação exauriente a pretensão veiculada. Por isso, ao invés de "julgamento antecipado", poderia falar-se em "julgamento imediato".

Outra crítica e, talvez, ponto negativo, é a inexistência de possibilidade de se compelir o julgamento parcial de mérito, especialmente pela dúvida se é um poder-dever ou uma faculdade/discricionaridade do juiz.

Embora seja possível uma interpretação sistemática do diploma processual para concluir pela preferência sempre do julgamento de mérito (CPC, artigo 4), isso por si só não torna a disposição cogente.

Além disso, ao contrário da apelação, o recurso de agravo de instrumento contra decisão parcial de mérito não carrega consigo o efeito suspensivo ope legis.

Por seu turno, a técnica do recurso adesivo também não comporta igualmente aplicação quando se trata de agravo de instrumento interposto contra a resolução parcial de mérito.

A falta do recurso adesivo pode estimular o recurso até mesmo do vencedor, beneficiário do julgamento imediato, porque sempre que seu pedido for em parte procedente — como exemplo em indenização que se pediu dez, mas se concedeu cinco — restaria a possibilidade de recurso, e não reforço da pretensão com o adesivo.

Ainda, também não se verifica no CPC menção alguma à sustentação oral nesse recurso, quando se ataca o mérito, a única ressalva feita é para o caso de decisão interlocutória que verse sobre tutela provisória. Essa falta poderia representar cerceamento de defesa? Eu tenho plena convicção de que sim, além de caracterizar assimetria no direito dos demandantes.

Embora não se trate de situação específica de procedimento especial, ainda se tem dúvida sobre a aplicabilidade dessa técnica de julgamento parcial de mérito no Juizado Especial Cível.

Em conclusão, acredito que a técnica do julgamento antecipado parcial do mérito, mesmo com os pontos negativos, representa um avanço para um processo civil de resultados e de efetividade prática, por meio do qual se confere a celeridade esperada.

Referências bibliográficas
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THEODORO JR., Humberto Curso de direito processual civil. 56. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015.

SCALABRIN, Felipe. Técnicas de aceleração do julgamento no Novo Código de Processo Civil: julgamento liminar do pedido e julgamento antecipado do mérito. Revista Páginas de Direito, Porto Alegre, ano 15, nº 1278, 02 de outubro de 2015.

SIQUEIRA, Thiago Ferreira. O julgamento antecipado parcial do mérito no novo Código de Processo Civil brasileiro. São Paulo: Civil Procedure Review. Vol 7. 165-208. 2016.

Em que hipóteses o juiz pode julgar antecipadamente o mérito
Cumpridas as providências preliminares e estabilizado o objeto do processo, passa o juiz a examinar se a hipótese concreta exige produção de provas ou, pelo contrário, julgamento sem ou com resolução do mérito.

Tenha-se presente que a sentença — prestação jurisdicional ao pedido formulado pelo autor — constitui o ato mais relevante do processo. E é exatamente aquele que o Estado, por intermédio do juiz, aplica a norma legal, bem como, quando necessário, as demais formas de expressão do Direito, ao caso pendente, declarando qual tutela processual o ordenamento jurídico concede a um determinado interesse.

Todavia, nem sempre é possível ao órgão investido de jurisdição encerrar o processo de conhecimento por meio de provimento que julgue o objeto da controvérsia. Assim, tradicionalmente, a dogmática classifica as sentenças em: a) terminativas, que não enfrentam o mérito; e b) definitivas, aquelas que julgam a lide.

O artigo 485 do novo Código de Processo Civil, que corresponde ao artigo 267 do diploma em vigor, dispõe exatamente sobre a sentença de natureza processual (terminativa), que deve ser proferida quando existir obstáculo intransponível, a impedir que o juiz possa dirimir o objeto material do processo.

Não obstante, deverá haver julgamento de mérito toda vez que, ultrapassado o exame das questões formais, o processo estiver escorreito para receber decisão sobre o objeto da controvérsia submetida à cognição judicial.

Tal solução, que é muito mais interessante sob todos os aspectos, dependendo da natureza da matéria controvertida, pode ocorrer em dois diferentes momentos, a saber: i) imediatamente após a estabilização do objeto do processo; ou ii) depois da fase instrutória.

A primeira dessas duas situações configura hipótese de “julgamento antecipado do mérito”, contemplada no artigo 355 do novo diploma processual, possível quando: “I – não houver necessidade de produção de outras provas; II – o réu for revel, ocorrer o efeito previsto no artigo 344 e não houver requerimento de prova, na forma do artigo 349”.

De aduzir-se que essa regra legal ostenta perfeita sintonia com o princípio fundamental da duração razoável do processo, contemplado no artigo 5°, LXXVIII, da Constituição Federal.

Vejamos a sua extensão.

Quanto à dispensa de outros elementos de convicção, é o que se passa, por exemplo, na órbita de demandas de natureza tributária, cujo objeto litigioso quase sempre versa sobre questão, cuja prova documental, exibida com a petição inicial, é suficiente para a certificação do fato constitutivo do direito deduzido pelo contribuinte.

Assim também, na ação de mandado de segurança, o “direito líquido e certo” alegado pelo impetrante, consoante dispõe o artigo 6° da Lei 12.016/2009, deve ser inferido da prova documental que instrui a petição inicial.

Desse modo, a precipitação do julgamento do mérito deve ocorrer toda vez que o juiz se encontre devidamente instruído acerca dos fatos submetidos à sua apreciação, podendo aplicar o direito ao caso concreto, independentemente da produção de qualquer outra prova, além da documental já constante dos autos.

Importante e conhecido aresto unânime da 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Agravo Regimental no Agravo de Instrumento 956.845-SP, consolida a interpretação pretoriana sobre essa temática: “Nos termos da reiterada jurisprudência do STJ, ‘a tutela jurisdicional deve ser prestada de modo a conter todos os elementos que possibilitem a compreensão da controvérsia, bem como as razões determinantes da decisão, como limites ao livre convencimento do juiz, que deve formá-lo com base em qualquer dos meios de prova admitidos em direito material, hipótese em que não há se falar em cerceamento de defesa pelo julgamento antecipado da lide’; e que ‘o magistrado tem o poder-dever de julgar antecipadamente a lide, desprezando a realização de audiência para a produção de prova testemunhal, ao constatar que o acervo documental acostado aos autos possui suficiente força probante para nortear e instruir seu entendimento’...”.

Cumpre salientar, a propósito, que sempre ocorrerá nulidade se, embora proferido julgamento antecipado, a sentença de improcedência do pedido estiver paradoxalmente fundamentada na ausência de prova do fato constitutivo deduzido pelo autor (cf., v. g., TJ-SP, 4ª Câmara de Direito Privado, apelação 0002562-07.2007.8.26.0270, relator-desembargador Ênio Santarelli Zuliani, v. u.).

Ademais, tratando-se de revelia, presumidos verdadeiros os fatos deduzidos na petição inicial (artigo 344) e não sendo requerida a produção de prova, se porventura o réu ingressar no processo a tempo de manifestar-se (artigo 349), deverá igualmente ser proferido julgamento antecipado do mérito.

Procurando aperfeiçoar o disposto no artigo 273, parágrafo 6°, do Código de 1973, o subsequente artigo 356 do novo diploma processual, apresentando-se como importante novidade, disciplina o denominado “julgamento antecipado parcial do mérito”.

Ocorrerá a antecipação temporal da tutela jurisdicional, por meio de ato decisório de mérito, toda vez que um dos pedidos deduzidos pelo autor, ou, ao menos, parte de um pedido, revelar-se incontroverso (inciso I); ou estiver em condições de receber imediato julgamento, porque suficiente a prova produzida nos autos (inciso II).

Assim, por exemplo, se forem cumulados, na petição inicial de uma ação indenizatória, pedidos condenatórios de dano material e de dano moral, e o réu deixar de apresentar qualquer resistência quanto ao pleito de indenização por dano moral, os fatos em relação a esse pedido tornam-se incontroversos, circunstância que admite, pois, o julgamento antecipado atinente à parte do mérito.

Note-se que essa decisão desafia agravo de instrumento, como, aliás, expressamente prevê o parágrafo 5° do artigo 356.

Nesse caso, a nova lei ainda prevê a possibilidade de o autor liquidar ou executar desde logo a condenação “reconhecida na decisão que julgar parcialmente o mérito, independentemente de caução, ainda que haja recurso contra essa interposto” (parágrafo 2° do artigo 356).

Ausente o quantum debeatur, porque ilíquido o ato decisório, o demandante tem a faculdade de providenciar, consoante o artigo 509, a liquidação do montante da condenação.

O preceito acima transcrito, por outro lado, confirma o disposto no novo artigo 1.019, inciso I, no sentido de que o recurso de agravo de instrumento, em regra, não é dotado de efeito suspensivo, a autorizar, nos termos do artigo 520 e seguintes, o respectivo cumprimento provisório da decisão.

É evidente que o cumprimento será definitivo se o ato decisório que julgou parte do mérito transitar em julgado (parágrafo 3° do artigo 356).